Expediente

Supervisão editorial

Adilson Citelli

Coordenação Editorial e Audiovisual

Douglas Calixto

Edição, finalização e revisão

Adilson Citelli
Ana Luisa Zaniboni Gomes
Douglas Calixto
Rogério Pelizzari de Andrade

Design e Editoração

Relatório (Ensino remoto emergencial e transições associadas)

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e autoria, proibindo qualquer uso para fins comerciais.
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
E59
Ensino remoto emergencial e transições associadas [recurso eletrônico] /
coordenação Adilson Citelli. – São Paulo: ECA-USP, 2023.


Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-88640-88-3


1. Educomunicação. 2. Comunicação. 3 Educação. 4. Ensino remoto. 5. Covid 19 -
Impacto. 6. Tecnologias. I. Citelli, Adilson.
CDD 23. ed. – 302.2
Elaborado por: Alessandra Vieira Canholi Maldonado CRB-8/6194

O grupo de pesquisa Mediações Educomunicativas (MECOM), apoiado pelo CNPq e sediado no Departamento de Comunicações e Artes (CCA) da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), publica relatório decorrente de investigação coordenada pelo Prof. Dr. Adilson Citelli e realizada junto à rede de educação básica para  entender como os processos educativos formais ocorreram durante a pandemia do coronavírus, sobretudo no que diz respeito ao acionamento do ensino remoto emergencial.

O trabalho está sendo disponibilizado em suporte digital para franquear o acesso ao maior número de interessados no assunto em tela. A estrutura do relatório foi concebida no intuito de agilizar a consulta aos dados e suas análises, facultando aos leitores e leitoras navegarem pelos temas e seções interconectando-as conforme propósitos particulares.

Visando a conhecer os fundamentos da pesquisa, seus procedimentos metodológicos e análises efetivadas, basta deslizar a tela do computador ou smartphone, ou percorrer os itens do menu do lado esquerdo (na versão desktop) ou, ainda, pelo menu no  topo da tela (na versão mobile).

Boa leitura!

São Paulo, julho de 2023

APRESENTAÇÃO

Este relatório é parte do projeto de pesquisa “Comunicação e Educação: mediações tecnossociais no ensino básico (2020-2024)”1, apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O que se lerá constitui um segmento da referida proposta e tem por título “Ensino remoto emergencial e transições associadas”. O seu objetivo principal está voltado ao exame dos impactos produzidos junto aos professores e professoras em exercício nas salas de aulas como decorrência da disseminação do coronavírus à altura de 2021. Vale dizer, a situação nova e inusitada trazida pela pandemia colocou enormes desafios ao sistema educacional brasileiro, requisitando o uso de modalidades de ensino com as quais docentes, discentes, dirigentes escolares e equipes técnicas tinham pouca ou nenhuma familiaridade.

Frente a tal cenário e tendo em vista o acionamento, em maior escala, do ensino remoto emergencial e dos formatos híbridos, dedicamo-nos a efetuar a presente etapa da pesquisa. O seu intuito foi tanto apreender os limites e possibilidades interpostas pelos dispositivos técnicos à atividade docente – sem os quais a ação educativa formal estaria comprometida naquele momento – quanto considerar ações que advieram nos primeiros momentos de volta às aulas presenciais.

O trabalho encontra-se abrigado no Departamento de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, sendo implementado pelo Grupo de Pesquisa Mediações Educomunicativas (MECOM), sob a coordenação do Prof. Dr. Adilson Citelli. E contou com a contribuição dos seguintes pesquisadores associados: Dra. Ana Luisa Zaniboni Gomes, Ms. Douglas Calixto, Dra. Edilane Carvalho Teles, Dra. Eliana Nagamini, Dra. Gláucia Silva Bierwagen, Dra. Helena Corazza, Dra. Maria do Carmo Souza de Almeida, Dr. Michel Carvalho da Silva, Dr. Rogério Pelizzari de Andrade, Ms. Suéller Costa, Ms. Roberta Takahashi Soledade, Ms. Tatiana Garcia Luz de Carvalho, Ms. Wellington Nardes, mestranda Karen Pavani Goulart.

Realizada entre novembro de 2021 e junho de 2022, a investigação capturou, sobretudo, o momento em que o ensino presencial conhecia retorno, mas ecoando, ainda, a experiência pregressa dependente, em boa medida, dos mediadores técnicos para se efetivar os processos de ensino-aprendizagem.

E para acolher tais singularidades foram elencados alguns objetivos centrais: 1) entender como a introdução do ensino remoto emergencial durante a pandemia do coronavírus promoveu alterações nas práticas pedagógicas e mesmo nos estilos de vida de professores e professoras do ensino básico brasileiro; 2) verificar se a formação inicial dos/das docentes permitiu a adoção de procedimentos junto ao corpo discente em consonância com uma sociedade atravessada pelos dispositivos comunicacionais; 3) saber até onde o ensino realizado à distância – ancorado pela internet, smartphones, computadores, tablets etc., disponibilizados aos/às discentes – impactou na maneira de professores e professoras vivenciarem a aceleração social do tempo, filha dileta das tecnologias digitais.

Os pressupostos teóricos e metodológicos que nos orientaram estão imersos numa perspectiva interdisciplinar para a qual convergem três grandes referenciais, vindos eles dos campos da comunicação, da educação (e suas interfaces educomunicativas) e da linguagem.

Para tanto, evocamos o entendimento comunicativo-cultural de Jesús Martín-Barbero; a educação emancipadora freiriana; o dialogismo interativo bakhtiniano; o debate sobre o lugar das tecnologias na sociedade contemporânea provindo de Evgeny Morozov, Giselle Beiguelman e Shoshana Zuboff, e as reflexões envolvendo a aceleração social do tempo feitas por Hartmut Rosa, Carlo Rovelli e Jonathan Crary. Tais indicações – para ficarmos em algumas delas – transitam por elementos comuns, que pretendem garantir unidade conceitual e operacional à nossa pesquisa. Claro está que os inevitáveis encontros e expansões, cujas fontes localizam-se, por exemplo, nas sociotécnicas, nos configuradores culturais em circulação nas salas de aula, nos jogos de linguagem a alimentarem os discursos institucionais escolares e não escolares, ganham irradiação ao longo da pesquisa e estão citadas nas devidas passagens. Em síntese: as escolhas apontadas, em suas grandes linhas, possibilitaram que a investigação refletisse acerca do cenário, das práticas e mesmo das consequências da adoção do ensino remoto emergencial pelos/as docentes.

No afeito ao método e aos andamentos metódicos recolhemos dados obtidos por meio de questionário eletrônico – estratégia possível nas circunstâncias impostas pela pandemia – junto a professores e professoras, e, posteriormente, tabulados, sistematizados, tratados teoricamente e, nos casos pertinentes, categorizados e indicados como passíveis de generalização.

As linhas de força que orientaram a elaboração do questionário e das estratégias para encaminhá-lo percorreram as seguintes direções: identificar o perfil dos/das entrevistados/as e seus hábitos midiáticos; conhecer a infraestrutura das escolas, sobretudo quanto à existência e uso dos mediadores tecno-comunicacionais; verificar se os/as docentes possuíam equipamentos de uso pessoal voltados à realização das aulas e atendimentos remotos; analisar as estratégias adotadas pelas escolas visando ajustar as demandas requisitadas ao ensino praticado durante a pandemia; indagar sobre a formação inicial e mesmo continuada dos/das docentes para trabalhar com os dispositivos tecnológicos nos processos educativos; entender as mudanças pelas quais passaram os/as docentes, tendo em vista a necessidade de se adequar aos ritmos temporais ditados pelas sociotécnicas.

A pesquisa não respondeu a preocupações quantitativas e buscou elaborar um modelo definido pela metodologia do trabalho científico como “representatividade não-estatística” (LOPES, 2003; THIOLLENT, 2007). Isto é, pretendeu-se entender um pouco melhor como o grupo respondente do questionário poderia fornecer referenciais qualitativos que permitissem a elaboração de algumas categorias explicativas sujeitas a generalizações frente ao tema do ensino remoto emergencial praticado em escolas brasileiras.

Como aproximação ao grupo pesquisado aplicamos, por razões já explicitadas, o formulário eletrônico Google Forms com trinta e quatro questões fechadas, de múltipla escolha ou abertas, permitindo, eventualmente, mais que uma resposta à mesma pergunta, envolvendo quatrocentos e quarenta e sete docentes do ensino básico, sobretudo da rede pública e nos níveis fundamental e médio, com maior concentração no estado de São Paulo (59,7%,) seguido de Pernambuco (11,4%), Bahia (10,3%) e Santa Catarina (6%), para nos restringirmos às maiores indicações. Como poderá ser acompanhado no corpo do relatório, do citado número de questões, presentes no anexo II, a redação final do texto contemplou trinta e uma delas, haja vista agregações que se impuseram para a maior clareza expositiva e de argumentos.

O período para a coleta das informações ocorreu entre novembro de 2021 e junho de 2022, intervalo no qual as escolas buscavam alternativas de continuidade do trabalho pedagógico. O cenário naquele momento estava marcado por diversidades regionais; diferenças nas estruturas organizativas das redes educativas federal, estaduais, municipais, públicas, privadas; distintos níveis de espalhamento da pandemia pelos entes federativos; particularidades no exercício do ensino – indo do presencial, passando pelo semipresencial, pela hibridização dos formatos, até a exclusiva manutenção do remoto emergencial. Há casos, por exemplo, de municípios que só regressaram integralmente às aulas presenciais no decorrer do ano de 2022.2

Para a consecução deste relatório, o nosso cronograma de trabalho, que incluiu a tabulação e análise do material coletado, a construção de categorias capazes de ordenar o conjunto de perguntas/respostas do questionário e a elaboração do texto final, ocupou os finais de 2022 e os primeiros meses de 2023.

***********************

Os procedimentos utilizados para efetivação da pesquisa foram discutidos no âmbito do MECOM, em profícua experiência coletiva de mútuos aprendizados envolvendo um grupo com diferentes estágios de formação acadêmica, indo de mestrandos a pós-doutores. Desses encontros, em parte realizados à distância, via Google Meet ou Zoom, haja vista limitações impostas entre 2021 e 2022 pelo chamado distanciamento social, resultaram a montagem do questionário enviado aos/às docentes, a tabulação dos resultados, a discussão sobre os dados, a organização do documento final – nos dois últimos casos ocorreram, em maior monta, reuniões presenciais.

Visando a redação do relatório – sob a supervisão do coordenador do MECOM –  formaram-se duplas ou trios no propósito de aprofundar a reflexão acerca dos dados compulsados, em distribuição realizada a partir de seis grandes centros de aglutinação: perfis docentes; infraestrutura escolar; dispositivos comunicacionais que os professores e professoras possuíam em suas casas; escola frente à pandemia; formação profissional docente; atividade remota e circunstâncias temporais vividas pelos/as docentes frente às novas dinâmicas profissionais requisitadas pela disseminação do coronavírus.

Tais núcleos foram arranjados e sistematizados em sete temas ou seções subtituladas e organizadas como pequenos artigos que, por sua vez, circularam pelos membros do grupo, modus operandi através do qual trocaram-se ideias, ajustaram-se conceitos, afinaram-se escritas. Enfim, houve a preocupação de fazer com que os temas e seções conhecessem integração, tendo em vista prover o relatório de fluxos e diálogos internos. Reside aqui o motivo pelo qual a ordem de abordagem das perguntas/respostas formuladas no questionário, conforme verifica-se no Anexo II, tenha, eventualmente, percorrido sequência um pouco diferente daquela exposta e analisada ao longo dos diferentes temas e seções. Decorre de tal planejamento expositivo a existência de remissões entre os núcleos temáticos, incorporações de respostas dos/das entrevistados/as, assim como possíveis análises das mesmas figuras e dados, malgrado serem tratados sob perspectivas particulares em cada seção.

O movimento entre o problema geral suscitado na pesquisa – concernente à introdução do ensino remoto emergencial nas escolas – e o exame amiúde dos dados a partir dos eixos temáticos e suas categorias internas, permite ao/a leitor/a reconhecer, sejam os planos diacrônicos, sejam os sincrônicos do material fornecido pelas fontes e que permitiu a elaboração do relatório.

Em boa medida, os dados aqui coletados vêm sendo tratados e discutidos pelos/pelas pesquisadores/as do MECOM, em atividades acadêmicas dentro e fora do Brasil, assim como publicados em papers e Anais de congressos e seminários.

O relatório, afora esta Apresentação, possui as seguintes partes: Análise dos dados expressos nas figuras e subdividida em temas e seções; Nota final; Delimitações vocabulares; Anexo I - Questionário de pesquisa; Anexo II -Audiovisual e podcast; Autores e autoras que participaram da redação do material.

Adilson Citelli
Coordenador

Notas

1-

Este, por sua vez, mantém estreita continuidade com pesquisa anterior realizada pelo MECOM e publicada sob forma de relatório em 2020, com o título “Inter-relações comunicação e educação no contexto do ensino básico. São Paulo: ECA-USP.” Disponível aqui. Acesso: 4 mar. 2023. O referido material, realizados os ajustes e reorganizado editorialmente, pode ser encontrado em Citelli (2021).
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2-

O arcabouço que acompanhou o Direito Educacional ao longo da pandemia é matéria recheada de nuances e que, de modo geral, pode ser pensada em dois grandes movimentos: um, correspondente à substituição das aulas e demais atividades presenciais pelas remotas – com os seus ajustes híbridos -; outro, pela suspensão liminar dos fazeres educativos escolares – situação que foi, ao menos legalmente, suspensa em fevereiro de 2021. Apenas para exemplificar a complexidade do ponto de vista normativo, haja vista a existência de legislação federal, mas também estaduais e municipais: o Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo (CEE), através da deliberação 201/2021 (21/07/21), fixou regramento voltado seja à ampliação da modalidade presencial, seja ao refazimento  do cronograma para o segundo semestre de 2021; em 5/08/2021, o Conselho Nacional de Educação (CNE) baixou a resolução nº 2 visando a retomada das aulas presenciais e elaboração do novo tempograma escolar. Conquanto  esta situação específica, que poderíamos chamar, à falta de melhor designativo, de  “regramento legal na emergência”, o problema reside ou residiu no fato segundo o qual as leis, medidas provisórias, decretos, resoluções, portarias, pareceres, nem sempre haverem conhecido consecução do mesmo modo, tampouco ao mesmo tempo, no ensino básico brasileiro naquele período, haja vista, inclusive, o enredado panorama decorrente das idas e vindas da Covid 19 em suas implicações sanitárias e, relevantemente, políticas. Para acompanhamento da legislação aplicável à educação no período em tela, a despeito de tratar de forma mais direta do ensino superior, ver: Rodrigues e Birnfeld (2022).
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Referências:
BIRNFELD, Carlos André. Educação remota em tempos de pandemia e pós-pandemia. Florianópolis: Habitus, 2022. Disponível aqui. Acesso: 10 jan. 2023.
CITELLI, Adilson (org.). Comunicação e educação: dinâmicas midiáticas e cenários escolares. Ilhéus: Editus, 2021.
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Pesquisa em comunicação. Formulação de um modelo metodológico. São Paulo: Loyola, 2003.
MECOM. Mediações Educomunicativas. Inter-relações comunicação e educação no contexto do ensino básico [recurso eletrônico]. São Paulo: ECA-USP, 2020. Disponível aqui. Acesso: 09 mar. 2023.
THIOLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Atlas, 2007.

Análise dos dados

TEMA I

Perfis docentes

O perfil dos/as professores/as da pesquisa

Dados e reflexões deste tópico:
leia a análise completa
Esconder Análise

Introdução

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o estado de pandemia em virtude do avanço da Covid-19 em escala global. Em fins de março, escolas de várias partes do mundo suspenderam as suas atividades. O imperativo do isolamento social para conter a proliferação do novo coronavírus fez com que as unidades educativas fossem fechadas e os/as estudantes ficassem dentro de casa. Frente a tal cenário de emergência sanitária, professores/as, gestores/as públicos e especialistas em educação foram desafiados/as a elaborar alternativas de aprendizagem para os/as alunos/as em tempos de quarentena.

Nesta conjuntura, impôs-se a adoção do chamado ensino remoto emergencial (ERE), haja vista a necessidade de reorganizar o calendário escolar e retomar minimamente as atividades educacionais. O predomínio da modalidade assíncrona, em que o/a professor/a planejava com antecedência o conteúdo (videoaulas, exercícios, apostilas, entre outros) se justificou porque segmento substantivo dos/das educadores/as e discentes não estava devidamente preparado ou não dispunha dos recursos necessários para enfrentar esta nova situação pedagógica (FINELLI e PRATES, 2021).

O estudo “TIC Educação 2020 (Edição Covid-19 – Metodologia Adaptada)”3 do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) corrobora com a tese de que a imersão do ensino básico no universo digital ocorreu de forma abrupta (QUEIROZ, 2021), da “noite para o dia”. O levantamento realizado pela Cetic.br mostra que a falta/fragilidade de dispositivos, como computadores e aparelhos de telefonia móvel, e o acesso precário à internet nos domicílios dos/das alunos/as dificultou o ERE para 86% das escolas do Brasil. A referida sondagem pode ser encontrada de forma mais desenvolvida nos temas II e III da nossa pesquisa.

Com o avanço da cobertura vacinal no Brasil e a anuência das autoridades sanitárias, as escolas foram reabrindo suas portas a partir do segundo semestre de 2021 e inauguraram o que se convencionou denominar de ensino híbrido (OLIVEIRA et al, 2021), com parte da carga horária escolar sendo desenvolvida em sala de aula e a outra de forma remota. A Resolução do Conselho Nacional de Educação CNE/CP Nº 2, de 5 de agosto de 2021, instituiu diretrizes nacionais a fim de orientar a implementação de ações no retorno à presencialidade das atividades de ensino-aprendizagem e para a regularização do calendário escolar (BRASIL, 2021). Sobre esta questão, ver nota que acompanha a Apresentação deste relatório. A retomada dos trabalhos presenciais também foi marcada por desafios, desde a resistência de alguns/mas professores/as, passando pelas procedentes preocupações dos sindicatos da categoria, até o receio de muitos pais em levar os/as estudantes para frequentarem as salas de aulas.

Os problemas interpostos pela comunidade escolar durante o desenvolvimento de atividades concernentes à aprendizagem não presencial desvelam uma série de questões importantes para se pensar o futuro da educação, cada vez mais mediada por aparatos tecnológicos. Além disso, a volta à modalidade presencial não se fez à revelia do temor de novas ondas da pandemia, incluindo o seu recrudescimento, haja vista a circulação de mutações do vírus nem sempre alcançadas pela cobertura vacinal existente naquele momento.

Desenvolvimento

Com o objetivo de caracterizar o perfil dos/a professores/as pesquisados, voltamo-nos de maneira mais sistemática e pormenorizada à análise das questões presentes em nosso estudo relativas a dados gerais, como faixa etária, domicílio, tempo de docência, disciplinas ministradas, entre outras informações que contribuem para identificação dos sujeitos de pesquisa.

Na figura abaixo, observamos que a maior parte dos/as pesquisados/as, mais precisamente 35,3%, está na faixa etária entre 41 a 50 anos; logo em seguida, temos 29,1% do universo investigado entre 31 a 40 anos, depois aparece o grupo entre 51 a 60 anos, com 21,9%. As três faixas etárias que menos estão presentes na amostra são, respectivamente, até 30 anos (7,8%), e entre 61 a 67 anos com 4,5%.

Figura 1 – Faixa etária (%)
Até 30 anos
7,8
31 a 40 anos
29,1
41 a 50 anos
35,3
51 a 60 anos
21,9
61 a 67 anos
4,5
Não responderam
1,3
Fonte: MECOM (2023)

Em consonância com a questão envolvendo a faixa etária dos/das educadores/as, na figura subsequente, apresentamos dados relativos ao tempo de docência dos/as professores/as. Mais uma vez, registramos três opções majoritárias, sendo que o grupo entre 11 a 20 anos de magistério é o mais presente.

Podemos inferir que esses/as educadores/as conheceram uma sala de aula com pouca ou nenhuma conexão digital, em que pouquíssimos discentes dispunham de celular com acesso à internet, e as redes sociais e os aplicativos de mensagens não eram tão populares como na atualidade.

Figura 2 – Anos de magistério (%)
Até 10 anos
28,4
11 a 20 anos
32,7
21 a 30 anos
30,0
31 a 35 anos
4,9
Mais de 35 anos
3,6
Não responderam
0,4
Fonte: MECOM (2023)

Em segundo lugar, aparece a faixa entre 21 a 30 anos, com 30%, seguido da opção até 10 anos, com 28,4%. Ainda consignamos o grupo entre 31 a 35 anos de exercício docente com 4,9% e a faixa de mais de 35 anos com 3,6%. Verifica-se que 91,1% dos quatrocentos e quarenta e sete educadores/as participantes da pesquisa registram até 30 anos de magistério e apenas 8,5% estão no grupo entre 31 e mais de 35 anos de docência. Isto permite afirmar que é pequeno o número dos que iniciaram o exercício profissional educador no começo dos anos 1990, ainda sob o signo de uma cultura escolar fortemente regida pela estratégia “da lousa e do giz”.

Na próxima figura, apresentamos as informações relativas à localização geográfica dos sujeitos da pesquisa. Dos/as educadores/as participantes do levantamento, (59,7%) pertencem ao Estado de São Paulo, que é seguido por Pernambuco (11,4%), Bahia (10,3%), Santa Catarina (6,3%) e Rio de Janeiro (4%). Além disso, coletaram-se contribuições em outros estados e no Distrito Federal, todas com percentual inferior a 1%, mas que somados representam 8,3%.

Figura 3 – Estados onde atuam (%)
Fonte: MECOM (2023)

Convém esclarecer que o fato de quase 60% dos participantes da presente pesquisa serem do Estado de São Paulo, o mais populoso do país, local onde os/as pesquisadores/as do MECOM possuem maior rede de contatos, não excluiu a preocupação de visagem mais ampla sobre as demais regiões do país, alcançadas com a distribuição de formulários on-line, grupos de aplicativos de mensagens e membros da nossa equipe de trabalho em cidades do sul e nordeste do Brasil.

Dos/as professores/as investigados/as, 54,8% atuam na rede estadual e 44,3% na municipal, como mostrado abaixo. Também temos educadores/as da rede federal (13,2%) e privada (0,7%). Os números esclarecem a prevalência de professores/as que atuam na educação pública. Ressaltamos que escolas particulares, apesar de também estarem sujeitas aos protocolos emitidos pelas autoridades sanitárias do país, no afeito à pandemia do coronavírus, possuem realidades diferentes das unidades de ensino afetas à rede pública, em termos de estrutura física e de autonomia pedagógica.

Figura 4 – Nível de ensino para o qual ministram aulas (%)
Estadual
54.8
Municipal
44.3
Federal
13.2
Privada
0.7
Fonte: MECOM (2023)

A figura seguinte revela que a maioria dos educadores/as pesquisados/as atua em uma unidade de ensino. Dos quatrocentos e quatorze professores/as investigados/as, trezentos e quatorze exercitam o seu mister em uma escola, o que significa 70,2% do universo de pesquisa; 22,4% o fazem em duas unidades educativas; 4,9% em três; 2,5% em mais de três.

O fato de a maioria dos/das educadores/as estar somente em uma escola pode representar menos deslocamentos para cumprir a jornada total de trabalho e mais tranquilidade para o horário das refeições e de descanso (sobre esta questão envolvendo o tempo docente ver: seções VI e VII). Outrossim, pensando no contexto pandêmico, é factível considerar que os/as professores/as optaram por apenas uma escola por conta da possibilidade de menor exposição ao coronavírus.

Para corroborar com nosso argumento, podemos mencionar a pesquisa4 elaborada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), em parceria com a Vox Populi, que revelou estarem mais de 80% dos pais e professores/as temerosos de serem contaminados pelo vírus da Covid-19, haja vista o retorno presencial das aulas, previstas para agosto de 2021.

Figura 5 – Em quantas escolas atuam (%)
Fonte: MECOM (2023)

Como mostra a próxima figura, a maior parte dos/das docentes que participaram da pesquisa (50,9%) atua no fundamental II (do 6º ao 9º ano do ensino básico). Logo em seguida aparecem os/as professores/as que trabalham no nível médio, com 46,9%, e os/as educadores/as do fundamental I (do 1º ao 5º ano), com 31,6%. No universo pesquisado, ainda contamos com 12,3% de docentes laborando na educação infantil e 8,3% junto a jovens e adultos (EJA).

Vale ressaltar que os/as professores/as que responderam ao questionário on-line poderiam selecionar mais de uma opção na pergunta acerca do nível de ensino em que ministram aulas na educação básica. Desse modo, na amostra investigada, temos docentes que estão tanto no fundamental quanto no médio.

Figura 6 – Nível de ensino para o qual ministram aulas (%)
Educação de jovens e adultos
8,3
Ensino médio
46,9
Ensino fundamental II
50,9
Ensino fundamental I
31,6
Educação infantil
12,3
Fonte: MECOM (2023)

Sobre as disciplinas ministradas, houve uma distribuição equitativa entre as/os educadoras/es entrevistados/as, conforme mostra a figura subsequente, sendo que 39,2% são de Língua Portuguesa; 24,7% de Matemática; 23,3% de Ciências e 22% de História. Em posição intermediária, registram-se docentes de Geografia (19,1%), de Língua Inglesa (15,2%), Artes (13%) e Educação Física (7,8%).

Entre as disciplinas do ensino médio, há 4% de professores/as de Biologia; 3,4% de Física e 2,9% de Química. Os/as educadores/as também se identificaram como polivalentes (2,9%). Outras disciplinas atingiram 2,2% do grupo pesquisado.

Figura 7 – Disciplinas que lecionam (%)

Outros
2,2
Polivalente
2,9
Química
2,9
Física
3,4
Biologia
4,0
Educação física
7,8
Artes
13,0
Língua Inglesa
15,2
Geografia
19,1
História
22,0
Ciências
23,3
Matemática
24,7
Língua Portuguesa
39,2
Fonte: MECOM (2023)

Os dados descritos nas sete figuras acima permitem compor um quadro que caracteriza o perfil dos/as professores/as de educação básica que participaram da pesquisa. O grupo investigado representa um microcosmo dentro do universo dos/as educadores/as, considerando variáveis como faixa etária, tempo de docência, domicílio, disciplinas ministradas e número de escolas em que atuam.

Considerações finais

Esta seção da pesquisa “Comunicação e educação: mediações tecnossociais no ensino básico” teve o objetivo de apresentar o corpo docente investigado, detalhando algumas de suas características profissionais e mesmo pessoais.  Ademais, procuramos chamar atenção para o fato de o ensino remoto emergencial e formas híbridas, que incluem a mediação tecnológica, envolver, durante a pandemia, praticamente todos/as os/as professores/as do ensino básico na difícil tarefa de suprir perdas de aprendizagem por parte de seus/suas alunos/as.

Aduza-se que em estudo sobre os danos causados pela Covid-19 para a educação formal de estudantes no mundo, a Unesco (2021) calcula que mais de cem milhões de crianças poderão ficar abaixo do nível de proficiência em leitura, e mais de onze milhões de meninos e meninas talvez jamais retornem à escola. Evidentemente, as consequências do fechamento das escolas durante o período mais crítico da emergência sanitária serão sentidas pela comunidade escolar por muito tempo, além de colocar os/as docentes diante de uma realidade desafiadora trazida por modalidades de ensino para as quais não possuíam (ou não possuem) formação específica para exercitá-las.

Notas

3-

Coleta feita entre setembro de 2020 e julho de 2021, por telefone, com 3,6 mil escolas públicas e privadas. Disponível aqui. Acesso: 2 dez. 2022.
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4-

A pesquisa “Percepção de professores, pais e estudantes sobre os impactos da pandemia na escola pública do estado de SP e as aulas presenciais” ouviu professores, pais de alunos e jovens, entre 15 e 19 anos, que estudam em escolas públicas, em todos os níveis escolares. Foram realizadas 3.600 entrevistas, entre 22 de junho e 14 de julho de 2021.
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Referências:

APEOESP. Percepção de professores, pais e estudantes sobre os impactos da pandemia na escola pública do estado de SP e as aulas presenciais. São Paulo: APEOESP, 2021.
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível aqui. Acesso: 4 mar. 2023.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: Presidência da República, 1996. Disponível aqui. Acesso: 4 mar. 2023.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília, DF: MEC, SEB, 2010.
BRASIL. Ministério da Economia. Portaria nº 679, de 30 de dezembro de 2019. Diário Oficial da União. Edição: 252-D. Seção: 1 – Extra. p. 16, 31 dez. 2019.
BRITO, Jorge Maurício da Silva.  A Singularidade Pedagógica do Ensino Híbrido. EaD Em Foco, v. 10, n. 1, 2020. Disponível aqui. Acesso: 4 mar. 2023.
CITELLI, Adilson. (org.). Comunicação e educação: dinâmicas midiáticas e cenários escolares. Ilhéus: Editus, 2021
CUNHA, Leandro Ferreira Farias; SILVA, Alcineia de Souza; SILVA, Aurênio Pereira da. O ensino remoto no Brasil em tempos de pandemia: diálogos acerca da qualidade e do direito e acesso à educação. Revista Com Censo, v. 7, n. 3, p. 27-37, ago. 2020.
FINELLI, Leonardo Augusto Couto; PRATES, Ademilson. Eustáquio. Estágio curricular na educação: experiências em tempos de educação híbrida. In: FINELLI, Leonardo Augusto Couto (org.). Estágio curricular na educação: experiências em tempos de educação híbrida. Guarujá, SP: Científica Digital, 2021.
OLIVEIRA, Muriel Batista et al. O ensino híbrido no Brasil após a pandemia do Covid-19. Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 1, p. 918–932, 2021.QUEIROZ, Lavínia Maria Silva. A docência e a pandemia do Covid-19. Revista Cocar, v. 15, n. 32, p. 1-5, 2021. Disponível aqui. Acesso: 4 mar. 2023.
UNESCO. Supporting learning recovery one year into Covid-19: The Global Education Coalition in action. Paris: UNESCO, 2021. On-line. Disponível aqui. Acesso: 15 dez. 2022.

TEMA II

Infraestrutura da escola

Infraestrutura tecnológica escolar disponível à docência durante o Ensino Remoto Emergencial

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Esconder Análise

Introdução

A pandemia de Covid-19 nos anos de 2020 e 2021 reivindicou do ambiente escolar a aceleração no processo de assimilação de novas rotas de ensino-aprendizagem com o uso das tecnologias digitais, o que foi denominado oficialmente como Ensino Remoto Emergencial (ERE). A construção da ponte entre a sala de aula presencial e o uso de recursos tecnológicos para fins didáticos, apesar de ser uma premissa de longa data, precisou ser consolidada em questão de meses para oportunizar a continuidade do ensino durante a pandemia. Sendo o Brasil um país de dimensões continentais e com realidades econômicas e sociais diversas, não podemos desconsiderar que houve localidades em que as ações de emergência para o seguimento do trabalho pedagógico, infelizmente, não chegaram a ser consolidadas. Para fins da análise proposta pela pesquisa do MECOM, consideramos as unidades de ensino que se adaptaram, nos contextos diversos, ao uso das tecnologias para manutenção da rotina escolar. No entanto, apesar das plataformas digitais terem se tornado fundamentais para a comunicação entre os atores escolares durante o distanciamento social, vale ressaltar a importância do uso de metodologias apropriadas para o ensino remoto, o que inevitavelmente recai sobre a formação docente, capacitando-os/as para além do manejo meramente operacional:

[...] a “cultura operacional” não deveria passar ao largo das escolas, afinal também pertence a elas o desafio de incorporar a dimensão histórica, social, política, ideológica, que acompanha as técnicas e as tecnologias. Reside neste movimento a diferença entre ensinar o “manuseio” e abrir o debate qualificado sobre o lugar dos objetos na vida societária: computador, celular e tablet não são apenas máquinas, mas expressões materiais do labor humano. (CITELLI, 2019, p. 327)

Como aponta Citelli (2019), a realidade pulsante no cotidiano dos sujeitos pode promover a abertura para novas e necessárias reflexões acerca de questões que coloquem o ser humano no centro das discussões, e não o olhar maquínico que situa as tecnologias como protagonistas na construção da aprendizagem (SOLEDADE e LUZ-CARVALHO, 2020). E diante da maior crise sanitária e hospitalar da história do país, se faz necessário apreender como as agências educadoras tradicionais adaptaram-se às mudanças do modelo de ensino centrado na presença física, para uma atuação prioritariamente on-line ou híbrida. Desse modo, nesta etapa da pesquisa realizada pelo MECOM, o objetivo foi analisar os aparatos tecnológicos disponibilizados aos professores e professoras da rede pública e privada para planejar e implementar as ações educativas durante o período de suspensão das aulas presenciais, assim como a fase posterior de retomada no formato híbrido, no 2º semestre de 2021. A relevância desse mapeamento se dá pela investigação do que foi possível ser realizado pelos/as docentes a partir do acesso às tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) presentes nas instituições escolares.

Desenvolvimento

Pesquisa anterior publicada em 2020 pelo grupo Mediações Educomunicativas intitulada “Inter-relações comunicação e educação no contexto do ensino básico” (MECOM, 2020)5 já demonstrava a variação da infraestrutura escolar presente nos diferentes estados, nas regiões e nas redes privadas e públicas de ensino em âmbito  municipal, estadual e federal:

Apesar de alguns recursos disponíveis, limites e precariedades são constantemente identificados pelos/as respondentes da pesquisa. Esses (os/as docentes) incluíram sinalizações de que os equipamentos não são suficientes para atendimento de todos os sujeitos presentes nos espaços, sendo ainda notória a necessidade de maior compreensão acerca de como utilizar os meios técnicos nas práticas pedagógicas. (CITELLI, 2020).

Assim, o contexto anterior à pandemia já revelava que muitas unidades escolares apresentavam problemas com a infraestrutura tecnológica nas salas de aula por não possuírem equipamentos suficientes e/ou em condições de uso, muitas vezes com hardwares e softwares ultrapassados nos laboratórios de informática, além da ausência de acesso à internet, sobretudo na rede pública.

No Brasil, as iniciativas do governo federal de equipar os espaços escolares  com recursos tecnológicos direcionados ao apoio pedagógico têm origem na década de 1980. Muitos programas foram elaborados e implantados, formando pesquisadores/as e centros de pesquisa, infraestrutura computacional com laboratórios de informática e rede de internet nas escolas públicas, bem como outras iniciativas similares. Contudo, segundo o relatório da CETIC (2022):

É notável a ausência de projetos capazes de estabelecer ações equilibradas entre seus objetivos, a formação de professores e gestores, a criação de recursos educacionais digitais, as mudanças curriculares e de avaliação da aprendizagem, bem como a infraestrutura tecnológica para dar suporte ao uso das tecnologias digitais integradas às atividades curriculares em sala de aula (p. 2).

Pode-se dizer que as políticas de infraestrutura tecnológica no sistema educacional são marcadas por desequilíbrios na disponibilidade de equipamentos, formação de educadores/as e pesquisadores/as e na elaboração de currículos. Um exemplo é a implantação de laboratórios de informática em escolas públicas sem a formação de professores/as para utilizá-los em suas práticas pedagógicas, estabelecendo uma dissociação entre equipamentos, capacitação, manutenção e metodologias de ensino.

No ano de 2018, o Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB) publicou a Nota técnica 10, “Níveis de maturidade na adoção de tecnologia pela escola”. Tal documento estabelece parâmetros correlacionando equipamentos, conexão e uso pedagógico. Segundo esse levantamento, para uma escola ser considerada de nível avançado no uso de tecnologias, deve suportar cerca de 60 conexões simultâneas na internet e promover o uso diário desses dispositivos. Essa publicação traz sugestões de quantidade de equipamentos ideais, sugerindo uma conexão wi-fi para cada sala de aula, um projetor ou TV, tomadas para carregamento de dispositivos dos/das alunos/as e espaços de armazenamento de equipamentos dos/das estudantes. Para os laboratórios de informática ou bibliotecas, o estudo aponta a necessidade de ter um kit de equipamentos para cada seis salas de aula, além de pontos de carregamento para wi-fi em áreas comuns.

A sala dos/das docentes também deve ser equipada com wi-fi exclusivo e um notebook por professor/a, bem como a administração escolar munida de internet, computadores e impressoras para os/as gestores/as e funcionários/as.

Para toda a escola, a conexão de internet mínima deve ser de 1 mbps por educando/a, e contar com itens de suporte tecnológico, tais como: roteadores de rede; switch (16/24 ou 48 portas); hack; nobreak; servidor; cabeamento de rede entre o switch e os equipamentos disponíveis na escola; firewall para proteção; equipe técnica para suporte ao uso das tecnologias; e recursos digitais de comunicação com estudantes e famílias.

É perceptível que a maioria das escolas brasileiras, sobretudo na rede pública de ensino, ainda está muito distante desse nível considerado avançado, pois ainda vivenciam problemas básicos como, por exemplo, escassez de materiais de limpeza, merendas ou carteiras suficientes para os/as alunos/as. Para atingir o modelo ideal sugerido pelo CIEB seria necessário desenvolver um conjunto de políticas públicas articuladas para investimento em infraestrutura, formação docente e gestão escolar.

Em consonância com os desafios elencados, uma pesquisa realizada pelo Instituto Península (2020) questionou professores e professoras sobre qual o maior desafio do ensino remoto durante a pandemia de Covid-19. Os resultados apontaram que a falta de infraestrutura adequada e a dificuldade para engajar os/as alunos/as foram os principais obstáculos enfrentados por  quase 80% do corpo docente.

Diante de uma realidade escolar já conhecida e marcada pela escassez de investimentos, sobretudo para o uso de recursos digitais, a pesquisa realizada pelo MECOM entrevistou quatrocentos e quarenta e sete docentes e estabeleceu 4 perguntas visando a mapear os equipamentos existentes na escola para uso didático-pedagógico durante o ensino remoto emergencial. As questões foram:

Qual, entre os equipamentos listados, a escola possui para finalidades didático-pedagógicas? (Gravador/Aparelho de rádio/Celular/Aparelho de televisão/Computador)

Possui conexão via internet? (Sim/Não)

Em havendo conexão, a qualidade é: (Excelente/Boa/Regular/Ruim/Péssima)

Quais recursos tecnológicos a escola disponibilizou para você utilizar no contexto do ensino remoto? (Tablet/Pacote de banda larga/Celular/Pacote de dados/Computador/Laptop/Nenhum recurso foi oferecido)

Na primeira questão (figura 8), os/as educadores/as elencaram os equipamentos presentes em suas escolas, dentre os itens: gravador, rádio, celular, televisão e computador. Os entrevistados poderiam responder a mais de uma pergunta.

Figura 8 – Equipamentos que a escola possui para finalidades didático-pedagógicas (%)
Gravador
14,4
Aparelho de rádio
37,8
Celular
58,2
Aparelho de televisão
71,2
Computador
85,8
Fonte: MECOM (2023)

A maioria dos/as educadores/as entrevistados/as, 382 (85,5%), indicaram que o computador é um dos equipamentos mais presentes nas escolas para finalidades didático-pedagógicas; 317 (71,2%) declararam que a escola possuía aparelho de TV; 259 (58,2%) a existência de celulares; 168 (37,8%) aparelhos de rádio; e 64 (14,4%) mencionaram gravadores.

Confirma-se que já existem computadores para finalidades didáticas nas escolas, sendo um ponto de apoio para os professores e professoras antes e durante a pandemia.6 Contudo, tais equipamentos podem se encontrar obsoletos, sem manutenção e em número insuficiente para serem usados por todos/as os/as estudantes e educadores. Conforme os dados do CETIC de 2020, evidencia-se que muitas escolas tinham computadores de mesa insuficientes para o uso de toda a sala de aula, geralmente compostas por mais de 30 alunos/as, revelando que 20,7% das salas de aula possuíam até 5 computadores de mesa; 20,4% contavam com 6 ou até 15 equipamentos, e um percentual pequeno 4,1% de 21 a 30. Se pensarmos nos dispositivos portáteis, 44,4% das escolas não possuem esse tipo de equipamento, e 24,5% têm até 5 aparelhos.

Para além dos computadores, os dados atuais da pesquisa do MECOM indicam que há um número significativo de escolas que possuem televisão. A utilização desse equipamento como recurso pedagógico pode atrair estudantes pelo uso de imagens, sons e movimentos, trabalhar projetos educomunicativos marcados por conteúdos interdisciplinares, como, por exemplo, por meio de jornais e reportagens sobre os acontecimentos sociais, políticos e culturais locais e globais. Mas, também, é possível dizer que o “assistir à televisão” ganhou novos contornos e transferiu-se para outros meios, como o computador e o celular, através do acesso à internet, em um intenso processo de hibridização de tecnologias. Uma das interpretações possíveis para a presença da TV na maior parte das escolas que participaram da pesquisa pode se dar pelo resquício da infraestrutura tecnológica anterior ao avanço da internet quando, por exemplo, as escolas utilizavam vídeos gravados (filmes, programas, jornais etc.) como parte do conteúdo a ser estudado em sala de aula.

Vale destacar que o termo hibridismo remete à ideia de mesclar objetos de tal forma que se origine algo novo. Com o avanço tecnológico, torna-se cada vez mais comum a hibridização das máquinas, em um processo no qual se incorporam novas funções e novos designs. Por meio desse aparato tecnológico, os seres humanos se apropriam dos dispositivos técnicos em suas ações e interações atribuindo novos significados socioculturais.

O celular, segundo 58,2% dos/as participantes da pesquisa, já constitui um equipamento bastante utilizado nas escolas. Esse dispositivo móvel em sua origem, por exemplo, tinha a utilidade de fazer ligações telefônicas, mas com a soma de funcionalidades, tais aparelhos englobam cada vez mais  atividades como TV, ouvir músicas, pagar uma conta de banco etc.  (CANCLINI; 2006; BACKES, 2015).

E, de fato, pelo celular, professores/as e alunos/as podem acessar a internet, assistir televisão, fazer pesquisas, ler livros ou outros materiais, usar dicionários, calculadoras, produzir vídeos, captar imagens, enviar e receber mensagens, dentre uma infinidade de atividades combinadas e realizadas em equipamentos multifuncionais.7 Há bem pouco tempo, antes da pandemia do coronavírus, havia muitos/as docentes e sistemas educativos que resistiam ao uso da tecnologia conectada às práticas pedagógicas. E durante a pandemia, o celular e aplicativos de mensagens como o WhatsApp foram, sem dúvidas, um dos principais meios de comunicação entre estudantes e escolas. Reconhecidamente, plataformas de comunicação rápida, via celulares, ampliaram de forma significativa as relações entre os diversos segmentos sociais, não somente no espaço escolar, mas também, por exemplo, em instituições hospitalares com consultas e terapias on-line. Em consonância com as reflexões de Baccega (2002), estamos experimentando, na prática cotidiana, os múltiplos e diferentes modos de as comunicações suscitarem diversas estruturas da percepção, de imaginários, crenças, expectativas e ações mais ou menos coletivas.

Outra questão que os/as entrevistados/as responderam envolveu a possibilidade de acesso a dispositivos interligados à www.

Figura 9 – Conexão via internet (%)
Fonte: MECOM (2023)

A pesquisa nos mostra que 93,5%, isto é, 418 entrevistados/as responderam que a escola na qual trabalhavam tinha conexão com a internet. Somente 6,5%, ou seja, 29 participantes, responderam que a escola não possuía conectividade. Se considerarmos que os/as respondentes da pesquisa são professores/as, temos a dimensão de que mesmo com uma representatividade pequena frente aos mais de 90% que tinham acesso à internet, os/as 29 docentes sem conexão durante a pandemia enfrentaram desafios ainda maiores para dar sequência às aulas, ou mesmo não conseguiram manter a rotina pedagógica, impactando muitos alunos e alunas.

De acordo com Kubota, em 2019, 27% das escolas dos ensinos fundamental e médio informaram não ter acesso à internet. Neste período, as regiões Norte e Nordeste possuíam o menor número de escolas conectadas. Especificamente no estado do Pará só 38% dos estabelecimentos escolares contavam com uma conexão, no Amazonas 31% e no Acre 27% (KUBOTA, 2020). Até mesmo na capital de São Paulo, o projeto da Secretaria Municipal de Educação que previa a entrega de tablets e chips de internet para alunos/as da rede pública municipal não conseguiu cumprir a meta e entregou em 2020 apenas 39,5% dos materiais para apoiar as ações do ERE.8 Este dado contribui com a reflexão de que não se trata somente de uma questão geográfica mas, sobretudo, de um histórico de despreparo dos órgãos de gestão da área da educação, somado à não priorização de investimentos.

Considerando a figura 10, abaixo, passamos a analisar as respostas dos/as docentes para a questão da qualidade de conexão.

Figura 10 – Qualidade da conexão (%)
Fonte: MECOM (2023)

Foram 171 respondentes (39,2%) avaliando a qualidade da conexão como regular; 165 (37,9%), boa; 50 (11,5%) ruim; 28 (6,4%), péssima; e 22 (5%) excelente. Se somarmos os/as educadores/as que sinalizaram a qualidade do acesso à internet entre “boa” e “excelente”, temos o percentual de 42,8%. Porém, a porcentagem de respostas entre as qualidades “regular”, “ruim” e “péssima” resultou em 57,1%, descrevendo que, no universo abarcado pela pesquisa, quase 60% de escolas dispõem de uma internet que pode estar muito aquém das necessidades pedagógicas pretendidas pelos/as professores/as.

Se considerarmos as atividades do ensino remoto que exigem uso de câmeras, áudio e vídeo, temos a grande maioria das escolas carentes de acesso aos recursos digitais, impossibilitando realizar diferentes atividades pedagógicas no tempo apropriado da sala de aula. Como, por exemplo, o/a aluno/a assistir a um vídeo sem interrupções ou travamentos, falar e ser ouvido/a por todos/as ao mesmo tempo sem delay9, ou pesquisar informações no Google em diversos formatos (imagens, textos e vídeos) e, da mesma forma, produzir conhecimento por meio de vídeos, imagens, jogos etc. Frequentemente, a lentidão de respostas do navegador ocorre porque a velocidade dos pacotes de dados da internet não é compatível com a quantidade de estudantes que estão usando a conexão naquele momento.10

Importante ressaltar que, quando se fala em velocidade de internet, a nota técnica “Qual a velocidade de internet ideal para minha escola?”11 apresenta um estudo produzido em parceria pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), pelo Grupo de Mulheres do Brasil (GMB) e pela Organização sem fins lucrativos MegaEdu, revelando que a velocidade média das escolas públicas brasileiras é de 0,39 Mbps por aluno/a. Contudo, tal velocidade, segundo a pesquisa, deveria ser de 1 Mbps por aluno/a. Ou seja, o acesso precisaria ser no mínimo de 100 Mbps para uma escola com 100 estudantes, e de 400 Mbps para uma com 400, por exemplo. Tal quantidade de 1 Mbps por aluno/a possibilitaria realizar atividades didático-pedagógicas como uso de áudios, vídeos, jogos e downloads, sem que ocorresse lentidão ou interrupções nas atividades feitas por professores/as e estudantes, permitindo o dinamismo necessário para o fluxo das aulas por meio de recursos digitais.

Cabe lembrar que já houve políticas públicas para fornecer o acesso adequado à internet, como, por exemplo, o Programa Banda Larga nas  Escolas12, em 2008, que previa a instalação de infraestrutura e universalização da conexão à internet nas unidades de ensino até 2025, mas que não logrou êxito. E, desde 2017, está em andamento o Programa de Inovação e Educação Conectada13, que  utiliza os parâmetros do CIEB, como o Guia Edutec14 para identificar, primeiro, o tipo de conexão e de dispositivos tecnológicos usados nas práticas pedagógicas, dentre outros, para depois aparelhá-las – o que traria ações direcionadas para cada realidade escolar, sem padronizações. Tal política tem como objetivo melhorar a infraestrutura tecnológica nos espaços educativos através do Programa Dinheiro Direto nas Escolas.15

No contexto da pandemia, porém, foi necessário tomar medidas urgentes. Não havendo equipamentos suficientes nas instituições escolares, os/as professores/as tiveram que adequar seus domicílios para a continuidade das aulas. Segundo o levantamento do MECOM, ao serem questionados/as sobre quais recursos tecnológicos a escola disponibilizou para utilização do corpo docente no contexto do ensino remoto, 43,6% dos/as respondentes refere-se ao computador/laptop, 14,8% ao celular, 11% ao tablet, sendo que 41,8% deles/as alegaram não receber nenhum tipo de recurso, como mostra a figura 11.

Figura 11 – Recursos tecnológicos disponibilizados pela escola para utilização pelos docentes no contexto do ensino remoto (%)
Tablet
11,0
Pacote de banda larga
12,1
Celular
14,8
Pacote de dados
21,3
Nenhum recurso foi oferecido
41,8
Computador/laptop
43,6
Fonte: MECOM (2023)

Chama atenção o percentual de docentes sem o recebimento de algum tipo de equipamento para apoiar as aulas, sobretudo computador/laptop, os mais adequados para o suporte às aulas on-line, sendo equipamentos de alto custo. Sobretudo, ter a possibilidade de acesso a recursos tecnológicos portáteis, no momento pandêmico, significou levar segurança aos/às docentes, evitando deslocamentos diários ao espaço escolar, reduzindo a exposição ao vírus. Outro aspecto analisado foi em relação aos pacotes de dados (21,3%) e banda larga (12,1%) ofertados pelas instituições de ensino, pois sem a velocidade de download e upload alta, as aulas transmitidas em tempo real são inviabilizadas (delay, congelamento de imagens e sons etc.), o que compromete a dinâmica das atividades pedagógicas e dispersa a atenção dos alunos e alunas. Considerando que aquisições foram necessárias para viabilizar a interação entre educadores/as e educandos/as, principalmente devido às transmissões em vídeo, a mesma pesquisa apontou que cerca de 43% dos/as profissionais de comunicação que participaram do levantamento tiveram que comprar computador/laptop, 36,9% celular e 35,3% pacote de banda larga.16

Considerações finais

A pandemia ocasionada pelo novo coronavírus provocou um cenário de rápida transição das escolas do ensino presencial para o ensino remoto emergencial, em um momento de grande impacto emocional na vida de milhões de estudantes. Neste estudo, ao analisar quais foram os equipamentos ofertados ao corpo docente para a continuidade da prática escolar, nos deparamos com uma “subimplantação” de recursos tecnológicos, herdeiros da insuficiência histórica da maior parte das instituições educacionais, o que restringiu o pleno uso das estratégias didáticas necessárias para manter a rotina de aprendizagem.

Desse modo, evidenciam-se as fragilidades históricas do sistema educativo brasileiro em vários setores, como observamos no relato de 29 docentes que apontaram não ter conexão de internet na escola onde lecionam, o que revela a falta de infraestrutura tecnológica básica. Expõe também que, mesmo diante da normalidade da rotina escolar pós-pandemia, essas instituições não estão preparadas para usar os recursos digitais como apoio ao processo de ensino-aprendizagem em uma sociedade, em sua maior parte, conectada digitalmente, inviabilizando, por exemplo, os projetos diretos ou transversais de educação para as mídias, tão necessários para a formação crítica dos cidadãos.

Notas

5-

Material disponível aqui. Acesso: 4 mar. 2023.
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6-

Ver Tema III – Infraestrutura particular do/a docente para realização do ensino remoto emergencial.
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7-

Ver Tema III – Infraestrutura particular do/a docente para realização do ensino remoto emergencial.
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8-

Matéria disponível aqui. Acesso: 22 dez. 2022.
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9-

Delay é o atraso que acontece entre as informações enviadas pelo servidor e as recebidas pelo  dispositivo do usuário — smartphones, televisores, tablets, computadores etc. Disponível aqui. Acesso: 4 mar. 2023.
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10-

Ver Tema VII – Escola, pandemia e questões temporais II.
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11-

Para obter mais informações ver aqui. Acesso em: 4 mar. 2023.
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12-

Para obter mais informações ver aqui. Acesso em: 4 mar. 2023.
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13-

Para obter mais informações ver aqui. Acesso: 4 mar. 2023.
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14-

Ver Relatório Guia Edutec de 2022. Disponível aqui e Manual do Programa Inovação Educação Conectada aqui. Acesso: 4 mar. 2023.
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15-

Para obter mais informações ver aqui. Acesso: 4 mar. 2023.
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16-

Ver Tema III – Infraestrutura particular do/a docente para a realização do ensino remoto emergencial.
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Referências:

BACCEGA, Maria Aparecida. Televisão e educação: a escola e o livro. Comunicação & Educação, [S. l.], n. 24, p. 7-14, 2002. Disponível aqui. Acesso: 18 dez. 2022.
BACKES, Luciana. O hibridismo tecnológico digital na configuração do espaço digital virtual de convivência: formação do educador. Inter-Ação, Goiânia, v. 40, n. 3, p. 435-456, set./dez. 2015. Disponível aqui. Acesso: 16 jan. 2023.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2006.
CETIC. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação. Panorama Setorial da Internet. Número 2, São Paulo, jun. 2022, Ano 14. Disponível aqui. Acesso: 4 mar. 2024.
CETIC. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação. Base de Microdados TIC Educação. São Paulo, 2020. Disponível aqui. Acesso: 4 mar. 2024.
CIEB. Centro de Inovação para a Educação Brasileira. Nota técnica 10: Níveis de maturidade na adoção de tecnologia pela escola. [S. l.], CIEB, fev. 2018.  Disponível aqui. Acesso: 18 dez. 2022.
CITELLI, Adilson, Inter-relações comunicação e educação no contexto do ensino básico [recurso eletrônico]. São Paulo: ECA-USP, 2020. Disponível aqui. Acesso: 13  dez. 2022.
CITELLI, Adilson. Comunicação e educação: as pontes da linguagem. Revista Comunicação, mídia e consumo. v. 16. São Paulo, ESPM, 2019 aqui. Acesso: 10 dez. 2022.
INSTITUTO PENÍNSULA. Relatório sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do Corona vírus no Brasil. São Paulo: IP, 2020. Disponível aqui. Acesso: 12 dez.2022.
KUBOTA, Luis Cláudio. A infraestrutura e tecnológica das escolas e a retomada das aulas em tempos de Covid-19. Brasília, DF: Ipea, jul. 2020 (Nota Técnica Diset/ Ipea, n. 70). Disponível aqui. Acesso: 18 dez. 2022.
MECOM. Mediações Educomunicativas. Inter-relações comunicação e educação no contexto do ensino básico [recurso eletrônico]. São Paulo: ECA-USP, 2020. Disponível aqui. Acesso: 9 mar. 2023.
PREFEITURA de SP entregou 39,5% dos tablets para alunos da rede municipal, mais de um ano após início do ensino à distância. Portal G1, 2021. Disponível aqui. Acesso: 13 jan. 2023.
SOLEDADE, Roberta.T; LUZ-CARVALHO, Tatiana. Interação remota na educação infantil: os desafios comunicacionais na práxis docente. Anais [...] 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Virtual, Salvador, Bahia, 1 a 10 dez. 2020. Disponível aqui. Acesso: 10 jan. 2023.

TEMA III

INFRAESTRUTURA DO ESPAÇO DOMÉSTICO

Infraestrutura particular do/a docente para realização do ensino remoto emergencial

Dados e reflexões deste tópico:
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Introdução

Nos anos de 2020 e 2021, durante a pandemia de Covid-19, as mais diversas estratégias foram adotadas por colégios, governos e instituições para dar continuidade aos processos de ensino-aprendizagem escolar. Tais estratégias mobilizaram desde parcerias entre secretarias municipais, para levar merenda às crianças, por exemplo, até esforços pessoais de profissionais da educação para adquirir os equipamentos necessários para ministrar aulas on-line.

No período pré-pandêmico, pesquisa do MECOM aplicada entre 20 de setembro e 22 de dezembro de 2018 e envolvendo quatrocentos e quarenta sete professores/as da educação básica revelou dados sobre a infraestrutura das escolas, indicando que os recursos tecnológicos não eram suficientes para as demandas do contexto pedagógico, apesar da presença de equipamentos em grande parte das instituições. Segundo os dados coletados naquele momento, 74% das escolas possuíam computadores na secretaria para atendimento de questões administrativas; 66% contavam com salas de informática, com internet; e 57% com equipamentos na sala de professores/as. Uma pequena parcela de docentes, 5%, afirmou que não tinha computadores nas escolas em que atuava (CITELLI, 2020).

Mesmo a presença de computadores não era garantia para o desenvolvimento de práticas pedagógicas com os/as alunos/as. Observou-se que o uso dos equipamentos estava voltado para questões administrativas ou para o planejamento das aulas. Além disso, nem sempre em quantidade suficiente para atender a todos os/as docentes e, muitas vezes, com aplicativos e softwares ultrapassados. Pelo panorama apontado pelos/as docentes, havia poucas possibilidades de um trabalho educativo com os/as alunos/as (CITELLI, 2020).

Vale dizer que outros fatores, além da infraestrutura17 das escolas, constavam como impedimento para a integração dos meios tecnológicos no processo educativo. Um deles diz respeito à formação docente, essencial para que o uso dos aparatos tecnológicos não seja reduzido à mera instrumentalização. Nesse sentido, a pesquisa apontou pouca oferta, durante o período de graduação, de disciplinas específicas voltadas para a área de Comunicação ou das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), bem como programas de formação continuada, já no exercício da docência, embora 94% dos/as docentes reconheçam a inter-relação escola e meios de comunicação como complementares (CITELLI, 2020).

Esse era o cenário que tínhamos nas instituições escolares, no período pré-pandêmico, quanto aos recursos tecnológicos disponíveis para os/as docentes. Em março de 2020, quando iniciamos o isolamento social por conta da pandemia de Covid-19, escolas foram fechadas, exigindo a busca por novas estratégias de ensino e aprendizagem. Os/as profissionais da educação enfrentaram um grande dilema: como dar continuidade ao processo educativo? Como chegar até o/a aluno/a driblando o isolamento social? A alternativa foi levar a escola para dentro das casas de docentes e discentes, substituir a sala de aula presencial pelas tecnologias digitais, também capazes de permitir a interação e diminuir distâncias. As instituições de ensino e os/as docentes tiveram que encontrar rapidamente um caminho para retomar as práticas pedagógicas.  Assim, deu-se início ao ensino remoto emergencial.

Para compreendermos o impacto da pandemia no contexto da infraestrutura das escolas e da vida dos/das docentes, reportamo-nos aos dados da presente pesquisa realizada pelo MECOM18, entre novembro de 2021 e julho de 2022, envolvendo quatrocentos e quarenta e sete docentes de vários estados do país – ou seja, no final do período de isolamento social, quando o ensino remoto emergencial havia se consolidado na maior parte das escolas e estava começando a ser flexibilizado com o retorno presencial.

Nesse contexto, o objetivo desta seção é analisar como se concretizou o processo de aprendizagem em termos de infraestrutura no espaço doméstico dos/das docentes. Ou seja, entender o impacto da pandemia em relação ao uso dos recursos particulares do/a professor/a, como computadores, celulares, tablets, para realização de aulas e interações virtuais.

Desenvolvimento

No período de educação remota, a práxis docente esteve centrada na produção adaptativa emergencial dos conteúdos para os meios digitais: gravação e edição de materiais audiovisuais; videoconferências; participação em redes sociais; recebimento e envio de mensagens; curadoria de recursos digitais disponíveis em sites educacionais abertos, entre outros (SOLEDADE, LUZ-CARVALHO, 2020). A tecnologia foi posicionada como mediadora da interação com os/as estudantes. Muitas instituições tiveram que adotar plataformas virtuais, como Microsoft Teams, Google Meet, Zoom, ou buscar formas de interação mais acessíveis, a exemplo do WhatsApp, via celular. A necessidade dos aparatos tornou-se imprescindível, pois sem a tecnologia digital não seria possível diminuir o distanciamento entre docentes e discentes.

Houve ainda escolas cujos/as professores/as produziram material didático impresso para ser entregue pessoalmente às famílias. Em entrevista a Prazeres, Gil e Luz-Carvalho (2021), a coordenadora pedagógica de uma escola pública urbana de São Luís do Paraitinga, SP, conta que 20% das famílias não tinham conexão à internet. Desse modo, eram enviadas para os/as alunos/as folhas impressas, com conteúdos e atividades, entregues junto ao kit merenda. Essa não foi uma situação isolada. De acordo com a pesquisa TIC Educação 202119, 92% dos/as docentes imprimiram materiais didáticos.

Nesse contexto de múltiplas variáveis que condicionaram a educação naquele momento pandêmico, entendemos o ensino remoto emergencial como

condição determinada pela pandemia, que se constituiu entre os sujeitos da educação nesse período, com relações não presenciais, estabelecidas a partir de espaços distintos (casa - escola), mediadas pelos recursos digitais e realizadas em temporalidades específicas, dependendo de cada contexto escolar (PRAZERES et al, 2021, p. 16).

Podemos constatar que a mudança de ensino presencial para esse novo modelo exigiu dos/das professores/as um outro olhar sobre o processo educativo. Segundo Almeida e Nagamini (2021, p. 2),

A pandemia da Covid-19 nos levou ao ensino remoto, que guarda semelhanças com o ensino a distância (EAD) contemporâneo visto que precisamos de diferentes dispositivos sociotécnicos para manter uma interação entre professores e alunos, seja de forma síncrona seja assíncrona. O ensino remoto nos impôs a necessidade também de um planejamento muito detalhado pelo professor que necessita saber, com antecedência, exatamente o que será trabalhado no momento síncrono e o que será disponibilizado nos espaços virtuais de aprendizagem.

Prazeres et al (2021) identificaram ao menos duas fases nessa transição das escolas. A primeira delas teve como marca a urgência: no anseio de dar continuidade aos processos de ensino e aprendizagem, as tecnologias digitais foram adotadas de modo rápido e pouco reflexivo. Já numa segunda fase, após algum diálogo com a comunidade escolar e, a partir de levantamentos das condições de acesso (infraestrutura) de docentes e discentes, os colégios e redes puderam experimentar recursos de interação mais apropriados às particularidades de cada unidade educativa.

O fato de o ensino remoto ter sido emergencial nos dá o cenário da capacitação acelerada a que os/as docentes foram submetidos/as. A necessidade de uma retomada urgente das aulas provocou dois movimentos no cotidiano docente: aprender a usar os recursos tecnológicos, tanto do ponto de vista operacional quanto pedagógico, e estar aberto/a à experimentação. Entre erros e acertos, o ensino remoto emergencial posicionou os/as docentes no contexto das tecnologias, obrigando-os/as a aprenderem a utilizar os recursos digitais, em curto prazo20,  para desenvolver atividades pedagógicas e buscar novas formas de interação. Assim, as escolas parecem ter mesclado duas das possibilidades de adesão às tecnologias que marcam o debate dos campos da Educação e Comunicação: o modo acelerado e instrumental, num primeiro momento, e em outra etapa de modo mais esclarecido, com foco nos contextos e currículos (PRAZERES et al, 2021).

O ensino remoto emergencial, em tese, resolveria a questão da interatividade entre professor/a e aluno/a, em moldes semelhantes ao ensino presencial, ou seja, na relação face a face que uma aula síncrona poderia proporcionar, com câmeras ligadas e contato direto entre docentes e discentes. Porém, seria preciso buscar novas metodologias e abordagens em relação ao conteúdo; e o/a professor/a, até aquele momento, não tinha formação21 requerida para operar as tecnologias com perspectiva pedagógica. Os/as profissionais da educação também teriam de lidar com a falta de acesso aos dispositivos e conexão à internet deles/as próprios/as e dos/das discentes, além da transposição da escola para a sala de estar de suas casas, o que transformou a vida doméstica, ou seja, rompeu-se a fronteira entre a vida pública e a privada.

Adoção de equipamentos: a questão da infraestrutura

O isolamento social, portanto, transferiu a sala de aula para a sala de estar do/a professor/a, provocando modificações no cotidiano nos modos de interação e exigindo adequações no processo educativo relacionados às práticas pedagógicas e à infraestrutura de todas as pessoas envolvidas. Para isso, foi preciso adequar os espaços e recursos, principalmente em relação à tecnologia digital, nem sempre presente no espaço doméstico.

Como observou-se na figura 11, exposta no Tema II deste relatório, um percentual significativo de docentes não recebeu nenhum recurso tecnológico, necessário para viabilizar propostas pedagógicas para as aulas on-line, síncronas e assíncronas. Ao passo que, entre aqueles/as que receberam materiais, o computador aparece como equipamento mais disponibilizado (43,6%), ferramenta essencial para acessar as plataformas digitais durante a pandemia. Em menor escala, mas tão importante quanto os equipamentos, o pacote de dados foi disponibilizado para 21,3% dos/as respondentes. O celular também consta nas respostas dos/das docentes, com 14,8% das indicações e o tablet com 11%. É importante perceber que alguns professores/as marcaram mais de uma opção nesta pergunta, ou seja, receberam dois ou mais recursos tecnológicos. Exemplo: indicaram que a escola disponibilizou computador e também banda larga, ou celular e pacote de dados.

O Governo da Paraíba, por meio da Secretaria de Estado da Educação e da Ciência e Tecnologia, é um exemplo de rede que apoiou os/as docentes, em termos de infraestrutura, a partir do segundo ano da pandemia. Em outubro de 2021, foi divulgado no Diário Oficial o edital “Paulo Freire – Conectando Saberes”, que publicava a cessão de computadores portáteis para todos/as os/as professores/as da Rede Estadual de Ensino com matrículas ativas (GOVERNADOR, 2021). Na cidade de São Paulo22, a prefeitura também entregou notebooks aos/às professores/as a partir de meados de 2021. Já em um ritmo um pouco mais tardio, o Centro  Paula Souza passou a oferecer um subsídio de até R$ 2 mil reais para aquisição de computador, notebook ou tablet ao corpo docente concursado das Escolas Técnicas (Etecs) e Faculdades de Tecnologia (Fatecs), com apoio do programa “Computador do Professor”, lançado em 28 de março de 2022.

Todos esses movimentos citados aconteceram pelo menos um ano depois do início da pandemia e, consequentemente, do ensino remoto emergencial – o que nos leva a pensar como os/as profissionais da educação montaram um sistema de interação remota em 2020, quando o apoio era quase ínfimo.

Ao compararmos os dados desta nossa investigação à pesquisa TIC Educação (CETI, 2021), encontramos resultados similares. Poucos/as professores/as contaram com apoio da escola ou da rede de ensino para a realização das atividades educacionais: 26% não tiveram auxílio algum, 36% receberam equipamentos eletrônicos como computadores ou celulares, 10% obtiveram ajuda com custeio do plano de dados ou chip para celular. Em grande medida (60%), a ajuda recebida viabilizou o acesso gratuito a aplicativos, plataformas e recursos educacionais digitais.

Uma vez que muitos/as não obtiveram suporte das unidades educativas ou do Estado, foi preciso que adotassem recursos próprios, seja aproveitando o que já tinham, seja adquirindo novos aparelhos. Como se observa na figura 12, mais de 90% dos/as respondentes utilizaram seus próprios computadores e celulares, assim como 68,5% a banda larga de suas casas e 57,9% o pacote de dados de seus celulares. Aqueles/as que não tinham o recurso, ou o que possuíam era insuficiente, precisaram gastar os salários para conseguir trabalhar. A figura 13, por sua vez, indica que 43,1% dos/as respondentes compraram computadores, 36,9% adquiriram smartphones e 58,8% pacotes de internet, banda larga ou dados móveis. Esses percentuais mostram o despreparo do setor público e de escolas privadas para amparar esse/a profissional, tanto do ponto de vista monetário quanto do oferecimento de recursos, especialmente equipamentos. Nas figuras 12 e 13 poderia ser assinalada mais de uma resposta..

Figura 12 – Recursos tecnológicos próprios utilizados por docentes para realizar ensino remoto durante a pandemia (%)
Pacote de dados
57,9
Banda larga
68,5
Computador
92,2
Smartphone
93,1
Fonte: MECOM (2023)
Figura 13 – Recursos tecnológicos que docentes precisaram comprar para atuar no ensino remoto (%)
Nenhum
23,0
Pacote de dados
23,5
Banda larga
35,3
Smartphone
36,9
Computador
43,1
Fonte: MECOM (2023)

Como vimos, ainda que algumas escolas tenham disponibilizado recursos tecnológicos, eles não foram suficientes para atender às demandas impostas pelo isolamento social e os/as docentes tiveram que investir parte de suas economias para adquirir os aparelhos, como computador e/ou celular.

A tabela de comparação abaixo indica a quantidade de equipamentos que foram disponibilizados pelas unidades e redes com a quantidade de recursos pessoais empregados pelos/as professores/as. Vale notar que algumas pessoas marcaram mais de uma opção. Exemplo: indicaram que a escola disponibilizou computador e também disseram ter usado recursos próprios. A tabela apresenta números absolutos.

Figura 14 – Quantidade de equipamentos disponibilizados pelas unidades e de recursos pessoais empregados pelos/as professores/as
Recurso
Escola disponibilizou o recurso
Docentes usaram recurso pessoal
Docentes precisaram comprar o recurso
Computador
194
412
189
Smartphone
66
416
162
Banda larga (internet)
54
306
155
Pacote de dados (Internet)
95
259
103
Fonte: MECOM (2023)

Por fim, quando questionados sobre a qualidade da conexão à internet23 em seus domicílios, mais da metade dos/as respondentes (54,5% do total) indicaram que esta era instável às vezes, conforme figura 15 abaixo. Ou seja, mais uma barreira precisava ser considerada na consolidação do ensino remoto emergencial: o tipo de conexão. Mesmo tendo acesso à banda larga ou pacote de dados, docentes e discentes sofriam com a instabilidade das redes24, o que dificultava a interação síncrona.

Vale dizer que essa não foi uma situação isolada de profissionais da educação. De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o uso da internet subiu entre 40% e 50% já nos primeiros meses de pandemia, o que influenciou no aumento da instabilidade da rede e das reclamações (LAVADO, 2020).

Figura 15 – Qualidade da conexão doméstica utilizada para ministrar aulas remotas (%)
Fonte: MECOM (2023)
Interação mediada por computadores e celulares no processo educativo

Antes da pandemia já era perceptível a inserção de computadores na sala de aula como tecnologia necessária e legítima no contexto educacional. Na pesquisa feita em 2018 pelo MECOM, os/as professores/as afirmavam que “no atual cenário, desconsiderar a tecnologia seria ir contra o ritmo mundial”; “é intensificar o abismo escola-aluno”; “a escola tem o papel de promover a reflexão e a leitura crítica do mundo, como afirmado por Paulo Freire. Portanto, o mundo digital é um desdobramento de nossa realidade e precisa ser refletido enquanto tal”; “é importante que o professor saiba lidar com os novos meios de comunicação para que possa se manter atualizado e também atualizar sua prática na sala de aula” (CITELLI, 2020).

Desse modo, havia uma predisposição dos/as professores/as para o uso da tecnologia, não como mero instrumento, mas como recurso mediador da interação e do desenvolvimento do conteúdo (“possibilita maior interação dos alunos com o conteúdo e ajuda no desenvolvimento pedagógico”; “indubitavelmente, os meios de comunicação, principalmente hoje em dia, são essenciais à motivação das práticas de ensino-aprendizagem” (CITELLI, 2020). Porém, segundo Teles e Bierwagen,

a princípio, os/as professores/as entendem que para existir interação com meio de comunicação seria necessário que a escola fosse dotada de ‘boa’ infraestrutura tecnológica, o que, de acordo com os/as entrevistados/as, nem sempre acontece, deixando em suspenso a inclusão e uso de vários equipamentos, a exemplo da internet. Daí os destaques de docentes e discentes sobre a precariedade dos dispositivos com os quais é possível contar, considerando o objetivo de melhorar a qualidade da aula (2021, p. 82-83).

Essa situação não se modificou: as escolas mostraram despreparo quanto à infraestrutura para dar apoio aos/às professores/as durante o ensino remoto emergencial, conforme apontam os dados dessa nossa nova pesquisa.25

Além do computador, celulares também se tornaram aliados no desenvolvimento das aulas remotas:

Embora 84% dos professores tenham mencionado o computador portátil como o dispositivo utilizado na realização das atividades remotas, o uso do telefone celular foi o mais reportado pelos educadores (93%). Entre os docentes de áreas rurais, 12% não contavam com computadores no domicílio (de mesa, portátil ou tablet) e utilizaram exclusivamente o telefone celular na condução das atividades remotas (CETIC, 2021, p. 25).

Como podemos constatar, tais dados reforçam os resultados obtidos nesta pesquisa do MECOM, quando 36,9% dos/das professores/as afirmaram ter adquirido smartphones durante a pandemia (ver figura 13).

É importante ressaltar que não é uma questão de equipar as instituições e/ou os espaços domésticos; trata-se de uma transformação no processo pedagógico que já vínhamos vivenciando em relação aos computadores de forma mais lenta e que foi acelerada com isolamento social.26 Em relação ao celular, houve uma nítida mudança no status desse aparelho, que passou a dar suporte às aulas remotas emergenciais, deixando de ser um vilão no contexto escolar. No período anterior à pandemia, a pesquisa do MECOM (CITELLI, 2020) constatou percepções negativas em relação ao aparelho móvel, como uso inadequado (“os alunos usam celular sem limites. Não sabem usar para pesquisa”), falta de acesso (“se não é uma tecnologia disponibilizada para todos os alunos igualmente, acaba por excluir”) e desvio de atenção (“o celular atrapalha porque causa distração, falta de concentração, falta de memória”). A presença do celular no processo educativo seria possível, na visão dos/as docentes, com orientação adequada e direcionado para pesquisas e estudos. No ensino remoto emergencial tornou-se um aliado. Para Luz-Carvalho, Nagamini e Almeida:

o celular foi uma alternativa para dar conta do processo pedagógico, durante a pandemia, que permitiu construir processos comunicacionais, determinando não somente aspectos relacionados aos conteúdos pedagógicos, mas também às relações afetivas para aproximar (ou afastar) os jovens do contexto escolar, pois ultrapassa os limites do espaço da escola (2022, p. 6).

Não há dúvida de que a pandemia impactou o processo educativo e cotidiano de docentes e discentes, tendo em vista que

Se de um lado o fechamento das escolas impulsionou a busca pela tecnologia, de outro permitiu criar outros espaços de aprendizagens, ainda que fosse preciso reconhecer as desigualdades sociais e econômicas, pois nem todos os alunos tinham a posse de um aparelho móvel, nem mesmo acesso a uma rede de internet – necessária para participar nas redes sociais ou realizar pesquisas e atividades escolares. (LUZ-CARVALHO; NAGAMINI; ALMEIDA, 2022, p. 6).

Diante dessa realidade, é essencial destacar que, além de melhorar a infraestrutura doméstica, transformar a sala de estar em sala de aula e aprender rapidamente a utilizar o computador e o celular, os/as docentes enfrentaram outro desafio: o letramento digital (COSCARELI; RIBEIRO, 2017) — ou seja, reconhecer as funções sociais da escrita (o ler e o escrever) nos ambientes digitais. Eles/as precisaram desenvolver, por exemplo, habilidades de digitar, formatar textos, usar planilhas, lidar com gráficos e muitos outros recursos multimodais disponíveis pela Microsoft ou Google, dentre inúmeras outras possibilidades. Referindo-se especificamente ao computador, Goulart (2017, p. 54) já destacava que

O modo como o texto se estrutura no computador (incluindo a apresentação e a formatação do texto) dimensiona a materialidade do texto de um modo diferente daquele lido ou escrito em papel. A própria maneira como o “manuseamos”, indo e voltando fazendo destaques, inserções, entre outras ações, nos obriga a novos conhecimentos e novas estratégias de leitura e escrita.

Por exemplo, um dos princípios essenciais do ler e escrever nos dispositivos técnicos é a compreensão da não linearidade, ou seja, o reconhecimento da organização hipertextual. Na passagem para o celular, esse dimensionamento da materialidade textual é alterado de modo diferente do computador, exigindo ainda outras habilidades. Os sistemas operacionais dos smartphones e dos computadores ou tablets permitem o funcionamento de uma variedade de aplicativos que operam de modos distintos. E, às vezes, só a alteração da iluminação ou do tamanho da letra e imagem vão requerer do/a usuário/a mais ou menos atenção. Além disso, a interação no celular pode ser mais comprometida em função do excesso de notificação desses muitos aplicativos, em geral, mais ativos nesses aparelhos do que nos computadores.

Wolf (2019), em uma discussão sobre habilidades de letramentos de crianças, cita que pesquisas recentes, mas ainda iniciais, têm comprovado que há modos distintos de compreensão leitora conforme o suporte em que elas leem, ou seja, há diferenças nos processos cognitivos aprimorados pela leitura no impresso e no digital. Assim, a autora defende ser essencial a criança aprender, ainda na primeira infância, que “cada meio, como cada língua, tem suas próprias regras e características úteis, o que inclui suas melhores aplicações, andamento e ritmos” para ter “um cérebro duplamente letrado” (WOLF, 2019, p. 245). Na mesma linha da autora, Ribeiro (2015; 2018) assevera que ler e escrever, utilizando-se de ferramentas digitais, amplia o poder de expressão de quem as utiliza.

O período da pandemia, sem dúvida, acelerou a necessidade de maior entendimento sobre o alcance dos recursos tecnológicos para a educação. No entanto, vale ressaltar que a falta de infraestrutura foi, de fato, um agravante no processo de ensino-aprendizagem em todos os níveis, pois somente a presença dos equipamentos não seria suficiente sem a devida formação dos/das docentes, ou seja, o letramento digital se impôs tanto quanto a aquisição de computadores, smartphones e tablets.

Considerações finais

Certamente, o período da pandemia foi bastante desafiador para a escola. O isolamento social e a falta de infraestrutura levaram os/as professores/as a transformarem o espaço da casa em sala de aula. Além disso, acelerou processos de formação e capacitação de professores/as para o contexto do letramento digital e técnico.

A falta de infraestrutura para dar prosseguimento às aulas, como apontaram os dados da pesquisa, revelaram, de um lado, muitos dos problemas já enfrentados no ensino, mas, de outro, mostraram os esforços dos/das profissionais da educação para amenizar os prejuízos causados pelo isolamento social. Instituições escolares e docentes buscaram soluções adequadas para cada realidade, tanto em relação aos equipamentos necessários (computadores, smartphones, tablets), quanto à formação (letramento digital). Foi preciso não apenas compreender rapidamente o funcionamento dos recursos tecnológicos, como também os limites e alcance para o desenvolvimento de práticas educativas, em especial como operar atividades de interação para diminuir distâncias entre docentes e discentes.

A utilização de aplicativos e plataformas digitais, sem dúvida, permitiu aproximar os atores envolvidos no processo educativo (professores/as, dirigentes escolares, alunos/as). O WhatsApp, por exemplo, teve um papel decisivo para amenizar os problemas e tensões causados pelo distanciamento. Videoconferências, via Zoom ou Google Meet, viabilizaram encontros síncronos. Estratégias pedagógicas foram colocadas em prática, desde as mais simples como questionários, via Google, até as mais complexas, como design thinking, ou uso e criação de games. Trabalhos colaborativos ganharam destaque. Ainda que as propostas não tivessem cem por cento de alcance, considerando as desigualdades de acesso às tecnologias, serviram para ao menos diminuir os prejuízos causados pela pandemia.

Notas

17-

Ver Tema I – Infraestrutura: o que se encontra nas escolas, no relatório MECOM (2020), disponível aqui. Acesso: 5 mar. 2023.
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18-

Ver Introdução deste relatório.
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19-

A pesquisa TIC Educação entrevistou 1.865 docentes de escolas públicas (municipais, estaduais e federais) e particulares – Ensino Fundamental e Médio – entre outubro de 2021 e maio de 2022. Disponível aqui. Acesso: 10 dez. 2022.
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20-

Ver Tema VI – Escola, pandemia e questões temporais I e Tema VII – Escola, pandemia e questões temporais II deste relatório.
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21-

Ver Tema V – Escola, pandemia e formação.
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22-

Para saber mais iniciativas da prefeitura de São Paulo, ver Tema VII – Escola, pandemia e questões temporais II.
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23-

Em relação à qualidade de conexão nas escolas, ver Tema II – Infraestrutura nas escolas.
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24-

Consideramos como causas para a instabilidade na rede especialmente a ocorrência de queda da rede elétrica, o tipo de conexão e o alcance de operadoras como Vivo e Claro.
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25-

Ver Tema II – Infraestrutura na escola, neste relatório.
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26-

Ver Tema VI – Escola, pandemia e questões temporais I e Tema VII – Escola, pandemia e questões temporais II, neste relatório.
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Referências:

ALMEIDA, Maria do Carmo Souza, NAGAMINI, Eliana. Interação no ensino remoto na Universidade: relatos de experiência. In: Anais [...] 44º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 4 a 9 de outubro de 2021, Disponível aqui . Acesso: 12 dez. 2022.
CETIC. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas escolas brasileiras: TIC Educação 2021 [livro eletrônico]. Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. 1 ed. São Paulo: CGI.BR, 2021. Disponível aqui. Acesso: 10 dez. 2022.
CITELLI, Adilson, Inter-relações comunicação e educação no contexto do ensino básico [recurso eletrônico]. São Paulo: ECA-USP, 2020. Disponível aqui. Acesso: 9 dez. 2022.
COSCARELLI, Carla Viana.; RIBEIRO, Ana Elisa (org.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. 3. ed. Belo Horizonte: Ceale, Autêntica Editora, 2017.
GOVERNADOR lança programa que disponibiliza notebooks para professores durante abertura do ‘Seminário Transformação Digital na Educação’. Governo da Paraíba, 2021. Disponível aqui. Acesso: 10 dez. 2022.
LAVADO, Thiago. Com maior uso da internet durante pandemia, número de reclamações aumenta; especialistas apontam problemas mais comuns. G1, 11 jun. 2020. Disponível aqui. Acesso: 12 dez. 2022.
LUZ-CARVALHO, Tatiana;  NAGAMINI, Eliana,  ALMEIDA; Maria do Carmo Souza. Celular como tecnologia mediadora nos processos de aprendizagens. In: Anais [...] 45º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 5 a 9 de outubro de 2022, Disponível aqui. Acesso: 12 dez. 2022.
PRAZERES, Michele.; GIL, Carolina.; LUZ-CARVALHO, Tatiana. Do presencial ao remoto emergencial: trânsitos da educação infantil na pandemia. Linhas Crí­ticas, [S. l.], v. 26, p. 1-20, 2021. DOI: 10.26512/lc.v26.2020.36262. Disponível aqui . Acesso: 11 dez. 2022.
RIBEIRO, Ana Elisa. Escrever, hoje: palavra, imagem e tecnologias digitais na educação. São Paulo: Parábola, 2018.
RIBEIRO, Ana Elisa. Tecnologia e poder semiótico: escrever, hoje. Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, Belo Horizonte, v. 8, n. 1, p. 112-123, 2015. Disponível aqui. Acesso: 2 set. 2020.
TELES, Edilane Carvalho e BIERWAGEN, Gláucia Silva. Formação midiática e tecnológica de docentes. In: CITELLI, Adilson (org.). Comunicação e educação: dinâmicas midiáticas e cenários escolares. Ilhéus, BA: Editus, 2021.
WOLF, Maryanne. O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era. São Paulo: Contexto, 2019. Edição do Kindle.
GOULART, Cecília. Letramento e novas tecnologias: questões para a prática pedagógica. In: COSCARELLI, Carla Viana; RIBEIRO, Ana Elisa (org.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. 3. ed. Belo Horizonte: Ceale, Autêntica Editora, 2017. p. 40-56.
SOLEDADE, Roberta; LUZ-CARVALHO, Tatiana. Interação remota na Educação Infantil: os desafios comunicacionais na práxis docente. In: Anais do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 1 a 10 de dezembro de 2020, São Paulo: Intercom, 2020. Disponível aqui. Acesso em: 12 mar.2023.

TEMA IV

ESCOLA E PANDEMIA

Um panorama da atuação de escolas durante a pandemia da Covid-19: mobilizações e desafios no uso de tecnologias e na volta às aulas presenciais

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Introdução

Nesta pesquisa foram abordadas questões relacionadas à atuação de escolas e docentes durante a pandemia, cujas respostas indicam como as instituições de ensino e seus/as profissionais se portaram neste tempo atípico. O novo regramento sanitário afetou o mundo inteiro e exigiu novos modelos de gestão da vida em comunidade, incluindo o sistema educativo em todos os seus níveis que, em alguma medida, migrou para o chamado Ensino Remoto Emergencial ou para outros modelos semelhantes com designativos afins.

Os resultados colhidos nesta investigação revelam que há escolas que se mobilizaram rapidamente, atuando com certa organização e agilidade nas ações em resposta à situação tão adversa; outras procuraram alternativas e soluções com alguma demora ou retardo; e, por fim, existem aquelas que nada puderam fazer em razão de múltiplas dificuldades de ordens distintas. Chama a atenção uma série de inquietações comuns aos/às docentes frente a temas como a ampliação da jornada de trabalho, a adaptação às tecnologias e aos softwares, a avaliação do aprendizado dos/as estudantes e a pouca interação com eles/as, além dos desafios da volta às aulas presenciais, entre outras questões.

Tais desafios demandam mobilizações de um conjunto de forças e de frentes –  quais sejam, poder público, escolas, docentes e especialistas – em prol da recriação ou do aperfeiçoamento destes novos modelos, e de melhores condições de trabalho, de estudo e de ensino, cujos expedientes se inserem no arcabouço mais amplo “da educação e da cultura digital” enquanto agências de socialização que se expressam nos espaços educativos e para os quais as escolas e os/as docentes precisam estar preparados.

Nesta seção do relatório abordamos a divisão temática “Escola e Pandemia” a partir de cinco questões que os/as docentes foram convidados/as a responder, sobre como a escola onde trabalham atuou neste período. Eles/elas apontaram as dificuldades enfrentadas no Ensino Remoto Emergencial e no uso de tecnologias de comunicação, além de como ocorreu o retorno presencial às aulas entre o final de 2021 e o começo de 2022.

Desenvolvimento

Mobilização dos docentes

A priori, nosso grupo de pesquisa pretendeu dimensionar, em termos temporais, algo sobre a rapidez ou a demora das escolas na busca de soluções alternativas frente à pandemia, que impôs uma série de demandas inéditas e urgentes para a qual poucos/as pareciam preparados/as. Buscamos identificar quanto tempo as instituições de ensino precisaram, segundo seus/suas docentes, para adotar meios que permitissem as atividades educativas.

A questão “Tendo em vista a pandemia da COVID-19, a escola na qual você atua prioritariamente…” interpela os/as docentes sobre a capacidade e a agilidade das instituições perante as exigências deste complexo cenário. Os/as respondentes desta questão, em sua maioria, pontuaram a rapidez com que a escola se organizou, sobretudo durante as primeiras semanas de pandemia, declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2020.

Mais de três quartos dos/das docentes afirmaram que a instituição na qual trabalham(vam) “mobilizaram-se rapidamente para oferecer alternativas de ensino remoto/à distância/híbrido”, revelando certa agilidade das instituições educativas na busca de formas alternativas para manter aulas, ainda que oferecidas em novos formatos-modalidades de ensino. Abaixo elencamos as respostas.

Figura 16 – Tendo em vista a pandemia da COVID-19, a(s) escola(s) na(s) qual(is) você atua prioritariamente (%)
Deixou de oferecer qualquer modalidade de ensino remoto/ à distância/ hibrido
1,1
Demorou vários meses para oferecer ensino  remoto/ à distância/ híbrido
22,5
Mobilizou-se com rapidez para oferecer alternativas de ensino  remoto/ à distância/ hibrido
76,4
Fonte: MECOM (2023)

Nas duas primeiras semanas de isolamento social, pouco mais ou pouco menos, a depender de cada estado do país, as atividades pararam completamente. Isto porque, em sua maioria, os decretos de restrição de circulação de pessoas, fechamento de estabelecimentos comerciais e de manutenção de serviços essenciais determinaram, a princípio, somente 14 dias de reclusão/interrompimento das atividades. Como, a esta altura, quase ninguém tinha informações mais qualificadas, era possível imaginar que, em duas semanas, tudo voltaria ao normal.

As pessoas começaram a perceber que tal fenômeno era mais grave quando, passadas duas semanas, a situação piorava em termos de número de infectados, ocupação dos hospitais e mortes. Foi neste momento que instituições públicas em geral, inclusive as ligadas ao Ministério e às Secretarias de Educação, precisaram procurar alternativas para tornar possível a realização e a continuidade das atividades, mesmo diante do caos que se instaurava no Brasil e no mundo todo.

A pesquisa perguntou também sobre as distintas modalidades (remoto, à distância, híbrido) adotadas pela instituição de ensino. Observa-se que, talvez, na falta de um designativo universal, cada instituição passou a se referir a esta nova experiência das mais distintas maneiras. Parece claro que o “Ensino Remoto”, depois chamado de “Emergencial”, foi o termo mais adotado no Brasil, uma vez que as aulas eram realizadas de forma síncrona como se os alunos e alunas, a partir da tela, estivessem em sala de aula. Vale lembrar também das aulas assíncronas ou aquelas em que os professores e professoras imprimiam o material para ser entregue pessoalmente aos/às alunos/as devido à falta de conexão à internet, como demonstrado em outras seções desta pesquisa.

Mesmo com aulas síncronas remotas, foi comum as escolas de nível básico adotarem, de forma inadequada, o designativo “Ensino à Distância” para se referir a uma modalidade utilizada, com mais frequência, no ensino superior. Em algum momento da pandemia, quando a situação começou a amenizar, popularizou-se a terminologia “Ensino Híbrido”, entendido como modalidade de aulas síncronas – remotas e/ou presenciais –, respeitando-se nas escolas a prescrição de um protocolo sanitário. Há também instituições, por exemplo, que chamaram o novo modelo de “flex”, “2 em 1” e “educação à la carte”. Tais terminologias revelam estratégias criadas para o ensino nos últimos anos, especialmente por instituições privadas, que adotam linguagens do universo da aceleração social do tempo, incorporando ao locus educacional diversas competências e habilidades que o “mercado” exige das pessoas como resultado no mundo do trabalho.27

Chamou a atenção, sobremaneira, o uso de outras nomenclaturas – conforme dispostas na nota 27 –, que merecem melhor observação uma vez que, geralmente usadas por escolas particulares, parecem não observar o tempo que o/a docente dedica à sua prática. Não há, aí, o reconhecimento do desgaste humano, das horas trabalhadas e da falta de suporte pedagógico. São contextos que, além de demandar novas competências e habilidades para as quais os/as professores/as não foram formados/as, também exigem expedientes que superam, em muito, a carga horária para a qual foram contratados/as e estão sendo remunerados/as.

Tal situação remete ao texto de Falcão e Andrade (2021), que trata do “Perfil docente e práticas digitais: cenário pré-ensino remoto e desdobramentos” e no qual os autores relatam as problemáticas causadas em consequência da Covid-19. Neste contexto, a maioria das escolas passou a oferecer atividades pedagógicas à distância de forma improvisada.

Isso implicou a aproximação de uma espécie de ponto de ruptura para os/as professores/as, pois o volume de trabalho ao qual naturalmente se dedicavam, agigantou-se face à exigência de navegação constante do ensino online [...] no caso brasileiro, o estresse ao qual os/as professores/as são submetidos por conta das longas jornadas de trabalho e desgastantes, superiores a 30 horas semanais (FALCÃO e ANDRADE, 2021, p. 31-32).

Como apontado na figura 16, quase 25% dos/as docentes afirmaram que a escola “Demorou vários meses para oferecer ensino remoto/à distância/hibrido”. Isso revela o grande desafio do novo modelo para o qual as unidades educativas, direções e professores/as, de maneira geral, não estavam preparados/as. Houve instituições que, simultaneamente às aulas, ofereceram capacitações e treinamentos para o corpo docente no contraturno, sobretudo em relação ao uso e manuseio dos softwares de webconferência e práticas pedagógicas, com alguma criatividade, no formato de aula não presencial. Tal estratégia, além de exigir novas formas de planejamento, exposição e avaliação do conteúdo, aumentou o tempo de trabalho do/a professor/a (ver temas VI e VII deste relatório) que, na maioria dos casos, não foi remunerado/a pela ampliação da jornada, tema sobre o qual trataremos mais adiante.

Por fim, pouco mais de 1% dos/as docentes disseram que a escola simplesmente “deixou de oferecer qualquer modalidade de ensino remoto/à distância/híbrido”. Tal fenômeno foi comum na região Norte e em alguns estados do Nordeste, sobretudo, em zonas rurais onde o acesso à internet é mais restrito. Outras razões de ordem social, política e econômica também corroboraram, de algum modo, para que não fosse possível oferecer nenhum formato de ensino em determinados lugares. Tal situação revela, com gravidade, o alcance nada universal da educação brasileira.

A questão a seguir permitiu aos/às docentes destacarem as incertezas quanto à aprendizagem dos/as alunos/as, a falta de interação, a sobrecarga de trabalho, os problemas técnicos, a adaptação à nova rotina e aos prazos, além de outros desafios enfrentados no período. Os/as respondentes podiam assinalar mais de uma resposta.

Figura 17 – Maiores dificuldades enfrentadas por professores/as durante o ensino remoto (%)
Prazos curtos
23,9
Conciliar atividades domésticas e profissionais
48,3
Adaptação às novas rotinas
59,7
Problemas tecnológicos
60,6
Sobrecarga de trabalho
65,1
Falta de interação com os/as alunos/as
67,6
Adaptação às novas plataformas
68,9
Incerteza quanto à aprendizagem dos/as alunos/as
75,8
Fonte: MECOM (2023)

Entre as maiores dificuldades apontadas pelo grupo de quatrocentos e quarenta e sete respondentes predominam as questões técnicas, que apontam para a necessidade de adaptação às novas plataformas de ensino (68,9%) e às novas rotinas (59,7%), além dos problemas tecnológicos (60,6%).

Esses dados podem revelar duas questões: uma delas é a dificuldade com o uso das tecnologias, sobretudo por professores/as com mais idade. Como mostra o Tema I – Perfis Docentes desta pesquisa, mais de 35% dos/as docentes estão na faixa etária entre 41 e 50 anos e quase 22% entre 50 e 60 anos. A outra é a falta de formação midiática e tecnológica dos/as docentes em função de cursos superiores de pedagogia e licenciaturas pouco aplicados ou completamente indiferentes em relação a este tema.

Conforme apontam Teles e Bierwagen (2021), muitos cursos superiores “não tinham uma disciplina específica” para lidar com o uso de tecnologias e de internet (p. 86). A mesma pesquisa aponta que 70% dos/as docentes gostariam de participar de cursos de formação continuada, seja em ambiente virtual ou presencial, mas nem sempre lhes são oferecidos com alguma qualidade – e quando são ofertados, parecem pouco efetivos. (p. 92) Essas duas justificativas podem nos dar pistas para entender a grande dificuldade desses/as profissionais em relação às questões técnicas evidenciadas pela pandemia.

No entanto, na investigação atual, a dificuldade mais significativa apresentada pelas/os professoras/es refere-se à incerteza quanto ao aprendizado dos alunos e alunas (75%), demonstrando a responsabilidade e a preocupação desses/as profissionais no que diz respeito à assimilação dos conteúdos por parte de seus/as aprendizes. Tal inquietação fica também demonstrada na alternativa sobre a falta de interação com os/as alunos/as (67,6%), uma vez que nessa experiência de diálogo e trocas o/a docente verifica, entre outras coisas, se e como o/a discente absorveu e interpretou os conteúdos.

No caso das aulas presenciais, a possibilidade da interação professor/a-aluno/a facilita a percepção acerca da assimilação dos conteúdos curriculares. Já no ensino remoto, especialmente nas condições em que foi implementado durante a pandemia, restam muito mais dúvidas e incertezas: Como saber se houve uma experiência efetiva de aprendizagem? Como devem ser as formas avaliativas no ensino híbrido ou nas aulas síncronas remotas? Será que por estar num campo “desconhecido”, menos controlado, o/a professor/a não pode se sentir ameaçado, fora da zona de conforto que é a sala de aula?

Refletindo sobre essa questão, é necessário ponderar que o ambiente da escola é mais favorável que o doméstico pois, na sala de aula, alunos/as e professores/as saem do espaço cotidiano da casa para estar em um meio preparado para vivenciar o ensino, a troca de experiências com colegas, as permutas sociabilizadoras, em locus abrigante de seres humanos. Já as condições dos alunos e alunas na circunscrição familiar são diversas, muitas vezes em ambientes pouco ou nada propícios às aulas remotas e que acabam contribuindo para a dispersão e à falta de concentração, quebrando o processo interativo e dialógico entre discentes e docentes.

Outras questões relatadas foram a sobrecarga de trabalho (65,1%), problemas para conciliar atividades domésticas e profissionais (48,3%) e os prazos curtos (23,9%) –  todas de alguma forma associadas às discussões sobre a aceleração social do tempo e que são tratadas de forma mais detida nos temas VI e VII deste relatório.

O uso de aplicativos já faz parte do cotidiano da maioria das pessoas e, neste sentido, facilitou a comunicação em tempos de pandemia. Este contexto prévio, como pode ser observado nos resultados apresentados na figura 17, acabou favorecendo a comunicação entre os/as docentes e as equipes gestoras das escolas. Do conjunto de respostas, 70,6% afirmam ter ajudado muito; 25,8% apontam favorecimento razoável e 3,6% pouco. Os dados demonstram que, de modo geral, os/as docentes usaram os aplicativos para a comunicação com os/as profissionais do núcleo gestor das suas unidades de trabalho e com colegas educadores/as.

Figura 18 – Durante a pandemia, a utilização de aplicativos de mensagens facilitou a comunicação com as equipes gestoras das escolas? (%)
Fonte: MECOM (2023)

Uma das características comuns no uso de aplicativos é a comunicação em tempo real, o que tende a levar à confusão e à sobreposição entre o público e o privado. Também pode ter como consequência a incapacidade de se definir dias e horários para esta comunicação, ampliando a jornada de trabalho – o que, naturalmente, acaba por gerar implicações pessoais e profissionais.

Uso de aplicativos para a comunicação com os/as alunos/as

Coloca-se, aqui, a relação professor/a-aluno/a e se o uso de aplicativos de mensagens facilitou a comunicação entre ambas as partes. No que diz respeito ao relacionamento com os/as alunos/as, mais de 50% das respostas assevera ter o uso de tais dispositivos facilitado “muito”; quase 35%, “razoavelmente”; 11%, “pouco”. Número menos expressivo (3,4%) declarou que não manteve contato com os/as alunos/as pelo aplicativo.

Figura 19 – O uso de aplicativos de mensagens facilitou a comunicação com seus alunos durante a pandemia? (%)
Fonte: MECOM (2023)

A questão está muito relacionada à anterior, quando os/as professores/as tratam do êxito ou não do uso do aplicativo com os/as gestores/as. Observa-se que com a gestão o percentual de respondentes que mencionaram a facilidade de interação foi 20% superior se comparado à interface com discentes. O que se lê aqui nos provoca a pensar as razões pelas quais o aproveitamento com os/as alunos/as, que transitam muito mais nesse universo, é menor.

Uma matéria na Folha de S. Paulo (FRANCO, 2021) procurou ouvir alunos/as, professores/as e especialistas sobre os motivos pelos quais a maioria destes/as jovens insistia em manter a câmera fechada durante as interações com os/as educadores/as. Alguns pontos merecem reflexão, como a necessidade de transformar o quarto ou a sala em sala de aula, ou seja, o espaço privado que se torna público. A preocupação com a própria imagem, de não querer mostrar o ambiente, medo de que alguém da família passe em frente à câmera e possa dar uma impressão negativa, entre outras.

Este assunto é novo no campo da educação e na relação professor/a-aluno/a, envolvendo questões que transcendem ao aspecto técnico. Se podemos afirmar que os/as estudantes têm mais facilidade e acesso à tecnologia, também não devemos perder de vista outras frentes, como quanto essa relação mediada pelos dispositivos comunicacionais afeta o processo de socialização entre os/as estudantes, assim como trazem novos desafios para problemas já enfrentados pela escola no ensino presencial, mas a partir de outra perspectiva, como o bullying.28 Pode-se considerar também a idade dos/as alunos/as, seu acesso ao app  neste contexto remoto. Tais questões relacionadas ao uso de dispositivos na educação demandam maior aprofundamento e pesquisa.

Modalidades para o retorno à escola no segundo semestre

Nesta questão indagamos sobre elementos que acompanharam a volta às salas de aula.  Dos quatrocentos e quarenta e sete respondentes em relação ao retorno à escola no segundo semestre de 2021, a grande maioria, 81,4%, apontou os formatos presencial e remoto; 11,9% indicam apenas a estratégia presencial e somente 4,2% assinalaram exclusivamente o remoto emergencial. Por fim, 2,5% não especificaram a modalidade.

Figura 20 – Modalidade em que ocorreu o retorno à escola, no segundo semestre de 2021 (%)
Fonte: MECOM (2023)

Dadas as mudanças ocorridas no ensino devido à pandemia da Covid-19, seria possível afirmar que, na prática, o segundo semestre de 2021 pareceu muito mais voltado para a readaptação? Talvez possamos pensar que sim, uma vez que o retorno às atividades presenciais foi facultativo para os/as alunos/as naquele momento, enquanto os/as professores/as tiveram de aprender a lidar com um modelo flex, dando aula ao mesmo tempo tanto no espaço físico da escola quanto para estudantes que assistiam de casa, de forma remota.

Considerações finais

Este tópico tratou da temática “Escola e Pandemia”, a partir de cinco questões que procuraram mapear como as escolas se portaram durante a crise sanitária e como se deu essa adaptação forçada ou improvisada em um período atípico, considerando não apenas, mas, sobretudo, o uso de dispositivos de comunicação. Buscamos tratar, ainda, dos óbices encontrados por ocasião do retorno às aulas presenciais, marcado por inseguranças, ansiedades e busca de alternativas para reparar o inusitado de uma situação até então desconhecida do sistema escolar.

A multiplicidade de terminologias em relação às novas modalidades, surgidas como consequência da pandemia, revela a necessidade de compreendermos o complexo fenômeno instaurado e as perspectivas de sua superação com outras formas de ensinar e de aprender.

Um aspecto novo e desafiador que a pesquisa identificou está relacionado ao uso de aplicativos digitais tanto pelo/as docentes quanto pelos/as discentes. É necessário, contudo, um exame mais acurado da situação a ser enfrentada pelas escolas nos próximos anos como resultado da introdução de novas modalidades de ensino, particularmente quando dependentes dos mediadores técnicos a serem convocados para o exercício do mister didático-pedagógico.

Notas

27-

Outras definições sobre tais modalidades estão elencadas no Anexo I, Delimitações Vocabulares.
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28-

A referida matéria de Franco na Folha de S. Paulo também aponta o medo de muitos alunos de terem suas imagens “printadas”, isto é, capturadas por outros/as estudantes e transformadas em meme caso deixassem suas câmeras ligadas.
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Referências:

CITELLI, Adilson. Comunicação e Educação: os desafios da aceleração social do tempo. São Paulo. Paulinas, 2017.
FALCÃO, Sandra Pereira e ANDRADE, Rogério Pelizzari de. Perfil docente e práticas digitais: cenário pré-ensino remoto e desdobramentos. In: CITELLI, Adilson (org.). Comunicação e educação: dinâmicas midiáticas e cenários escolares. Ilhéus: Editus, 2021. Série Comunicação e Educação v. 7. p. 31-44.
FRANCO, Marcella. Crianças contam que fecham câmeras por vergonha e medo. Folha de S. Paulo, 25 jun. 2021. Aqui. Acesso: 9 fev. 2023.
TELES, Edilene Carvalho; BIERWAGEN, Gláucia Silva. Formação midiática e tecnologia de docentes. In: CITELLI, Adilson (Org.). Comunicação e Educação: dinâmicas midiáticas e cenários escolares. Ilhéus: Editus, 2021. p. 79-100.

TEMA V

ESCOLA, PANDEMIA E FORMAÇÃO

Formação docente e o ensino remoto emergencial durante a pandemia de Covid-19

Dados e reflexões deste tópico:
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Esconder Análise

Introdução

Nesta seção do relatório, intentamos elaborar uma interpretação e reflexão sobre os dados referentes aos modos como os/as docentes veem e compreendem a formação inicial e continuada durante o ensino remoto emergencial. Tais averiguações são necessárias para preparar atuações e práticas que possam dialogar de forma mais direta com as diferentes realidades, tendo em vista a potencialização da atuação profissional dos/as docentes.

Serão salientados os desafios da formação inicial e continuada como aspectos centrais de análise. Partimos da reflexão que decorre de um contexto e percurso complexo anterior à pandemia do Covid-19, quando as habilidades e competências nos espaços digitais passaram a ser necessárias. As dificuldades dos/das educadores/as em explorar os âmbitos midiáticos e tecnológicos ao longo dos dois anos que se sucederam a partir do início do ensino remoto ficaram evidentes. No entanto, todos/as se desafiaram e vivenciaram situações inusitadas e, por vezes, completamente novas durante o período emergencial.

Considerando tal perspectiva, buscamos investigar ainda os principais recursos utilizados para a realização das ações laborais, como, por exemplo, a inclusão das tecnologias e mídias, além das redes sociais, bem como a apropriação de dispositivos e aplicativos antes vistos apenas fora do contexto escolar, mas que, a partir de então, tornaram-se centrais nos processos de ensino-aprendizagem. Suportes que estimularam, por assim dizer, os/as professores/as a buscarem alternativas para a viabilidade das ações educacionais no ensino remoto, com ou sem o apoio de uma formação docente direcionada e organizada pelos/as gestores/as das escolas ou pelas secretarias e diretorias regionais de ensino.

A princípio, durante a pandemia, o movimento docente foi de espera, pois não se sabia como fazer, o que denota a ausência deliberada de políticas nacionais mais decisivas, capazes de envolver todo o território nacional, abrangendo as redes federal, estaduais e municipais.29 Assim, vale destacar que esses processos sustentados nas incertezas dificultaram um entendimento coerente, mais ‘equilibrado’ e generalizado entre os/as docentes nos diversos contextos, uma vez que as diferenças estavam entre esferas (estaduais e federal), segmentos de ensinos (educação infantil, ensino fundamental, médio e superior) e setores (públicos e privados).

No território nacional, em um país com a amplitude continental, cultural, econômica, social e educacional como o Brasil, sempre foi um desafio o acesso aos dispositivos e, por sua vez, à conectividade – que se tornaram um imperativo para a rotina docente e discente durante o período de pandemia –, assim como a compreensão tanto teórica quanto metodológica das formas de uso destes aparatos para o planejamento e a sistematização das aulas conduzidas com o apoio de recursos digitais.

A chegada da pandemia instaurou um ‘caos’ que nãodeve ser minimizado, cujos efeitos diretos podem ser observados em fenômenos como a prolongada interrupção do ensino em algumas regiões30, a exclusão de muitos/as estudantes do processo de escolarização –  a evasão, principalmente no ensino médio, cresceu de maneira significativa – e a evidência das vulnerabilidades sociais, que expuseram as precárias condições – familiar, econômica, moradia, alimentícia, acessibilidade – destas crianças e adolescentes –  realidade que deixou a educação ainda mais instável e sem respostas às situações emergenciais.

Abordar esses aspectos levantados pela pesquisa do MECOM guarda relação com as práticas pedagógicas que foram criadas/realizadas no período do ensino remoto31 e que se mantêm até os dias de hoje. Algumas delas, inclusive, foram incorporadas de forma definitiva ao cotidiano dos/as docentes, mesmo após a retomada das atividades presenciais. Boa parte das formações e encontros pedagógicos, por exemplo, seguem sendo realizados com o auxílio de aplicativos de videoconferência ao menos para uma parcela dos núcleos de ensino. Poderíamos citar ainda a crescente oferta de cursos e de conteúdos que, inclusive, impactam os/as educadores/as por meio de suas redes sociais, graças às combinações algorítmicas.32

Serão recuperadas, a seguir, as respostas dos/as docentes sobre os modos e percursos formativos a que foram orientados/as durante o período da pandemia, tendo em vista variáveis como: a) assistência/auxílio à atuação docente; b) a presença de oportunidades formativas para trabalhar com o ensino remoto; c) se houve a possibilidade de compartilhamento de experiências e dificuldades na escola ou se cada professor/a teve que trabalhar de acordo com os próprios meios materiais e imateriais.

Desenvolvimento

O ensino remoto emergencial e a atuação docente

Como aponta a figura 21, 52,7% dos/as docentes assinalaram que não receberam formação para trabalhar com a modalidade não presencial. Assim, mais da metade dos/as participantes indica que precisou lançar mão dos recursos (materiais e imateriais) que possuíam para interagir a partir das novas necessidades e seus respectivos desafios. Este resultado, em certo sentido, se complementa com os depoimentos de muitos/as educadores/as com os/as quais interagimos desde que foi determinada a suspensão das aulas presenciais, mencionando a falta de amparo e suporte em questões desta natureza.

Decretada em março de 2020, a pandemia pegou a todos/as desprevenidos/as, causando confusão, em um primeiro momento, ao mesmo tempo que estimulou os/as professores/as a buscarem ‘alternativas’ para dar continuidade à própria ação laboral. Logo nos primeiros meses de vigência do distanciamento social, vimos surgir uma diversidade de iniciativas, boa parte delas isoladas e individuais, outras mais bem estruturadas. Tais procedimentos mostraram-se presentes, sobretudo, em algumas regiões do Brasil e em contextos dos sistemas privados da educação, que (re)iniciaram suas atividades, com o apoio de recursos informatizados, quase de imediato.

Nesse processo, um modo de efetivação e retomada das aulas veio à tona:  enquanto as instituições públicas ficaram aguardando as orientações dos governos e instâncias às quais estavam ligadas, o mesmo não ocorreu com as particulares.

Considerando tal perspectiva, convém questionar: a Educação não seria um direito de todos? Esta é uma pergunta a ser posta continuamente, uma vez que não é mais possível, sequer coerente ou justo, estabelecer divisões entre os que têm ‘mais acessos’ (ensino privado) em detrimento à maioria da população brasileira (ensino público). Como um direito, ela (a Educação) precisa ser tratada com mais empenho e de forma equânime pelas diferentes esferas de governo: federal, estaduais e municipais.

Entre as três possibilidades de respostas à pergunta da já citada figura 21, que trata da oferta de formação inicial para os/as educadores/as, apenas 11,4% afirmaram ter recebido em condições satisfatórias. Pouco mais de um quarto, ou 35,9%, admitiram que ela aconteceu, mas que deixou a desejar.

Figura 21 – Situação que melhor se aplica à sua atuação docente frente ao ensino emergencial (%)
Fonte: MECOM (2023)

Somados, aqueles que não tiveram e os que tiveram formação insatisfatória representam quase 9 de cada 10 respondentes (88,6%). Os dados só reforçam a hipótese levantada acima, de que a maioria dos/as docentes teve de buscar seus próprios meios para lidar com as situações que foram emergindo nos diferentes contextos.

Embora óbvia a constatação, é importante destacar que a educação no país não parou completamente no decorrer da pandemia. Entretanto, cabe a avaliação dos danos causados pelo período de ensino emergencial, tendo em vista o modo como a questão foi determinada pelas autoridades e conduzida, dentro daquilo que estava ao alcance, pelas escolas e respectivos corpos docentes.

Os dados consolidados de outra questão ligada ao tema – e que está representada na figura 22 – tiveram como recorte o universo de docentes que passaram por alguma formação (satisfatória ou não) para exercer suas atividades durante o ensino remoto, partindo-se do interesse em identificar seus agentes. A maior proporção (45,5%) dos/as participantes afirmou que ela foi oferecida pela direção/coordenação da escola. Se considerados ainda aqueles/as que selecionaram a alternativa “por técnicos/as” (16,5%), alcançamos 61% da amostra, de maneira que podemos postular sobre o aparente empenho dos/as organizadores/as dos processos educacionais dentro das escolas, o esforço em ajudar, a tentativa de disponibilizar algum suporte diante das condições adversas.

Figura 22 – Caso tenha recebido alguma formação/treinamento para trabalhar com ensino remoto em decorrência da pandemia, isto foi feito por: (%)
Fonte: MECOM (2023)

Quase 40% destes/as profissionais de educação indicaram que a formação foi alcançada graças ao empenho pessoal (26,6%) ou com o auxílio de um/a colega (11,4%). Ainda que a proporção seja menor em relação ao todo, é representativa a quantidade de professores e professoras que, diante da falta de recursos disponibilizados pela rede, optaram por não esperar, buscando caminhos próprios para amenizar os desafios impostos pelo contexto pandêmico.

Quanto às ações dentro da escola (figura 23), mais da metade dos/as respondentes, 57,9%, afirmou que houve uma rede de compartilhamento de experiências e dificuldades entre os pares, o que poderia denotar, como apontado nos parágrafos acima, que a formação entre os grupos, como as assistências e orientações que incluem técnicos, coordenação e direção, colaborou com a criação e ampliação de uma rede de apoio.

Em compensação, uma parcela significativa dos/as educadores/as, 39%, atuou individualmente, de acordo com as suas necessidades. Esse dado pode ser relacionado ao fato de que muitos dos/as respondentes à pesquisa recorreram a recursos próprios de infraestrutura, como equipamentos e conexão à internet, para atender às demandas do ensino remoto emergencial, demonstrando o despreparo das instituições de ensino diante do cenário pandêmico.33

Nesta faixa, pode-se considerar aqueles/as que buscaram as respostas para as inúmeras dúvidas que surgiam ao longo da elaboração dos percursos pedagógicos nas redes colaborativas de aprendizagem criadas nos ambientes digitais. As redes sociais – como o YouTube, Instagram, Facebook, WhatsApp – tiveram um papel significativo nesse período. Por meio de canais especializados, os/as professores/as encontravam sugestões para o planejamento híbrido, que exigiu readaptações de atividades, até então, executadas presencialmente, para um ambiente aberto às múltiplas linguagens, sobretudo, as digitais, tecnológicas e informacionais, possibilitando, por sua vez, um processo de alfabetização e letramento de docentes e discentes nos âmbitos midiáticos e tecnológicos.

Houve, de um lado, resistência por parte de alguns/mas educadores/as, algo existente antes da pandemia e ainda presente em muitos cenários. No entanto, outros/as se reencontraram nos espaços digitais, renovando não apenas as suas práticas, como também as suas participações nas redes sociais, estreando como produtores/as de conteúdos educativos, com o propósito de ajudar na formação de seus pares. Estes/as professores/as-autores/as contribuíram para o crescimento dos canais voltados ao ensino-aprendizado e, inclusive, para a lucratividade das empresas de tecnologias, em especial, as conhecidas Big Techs.34

Figura 23 – Na sua escola, durante a pandemia: (%)
Fonte: MECOM (2023)

Em matéria de Diana Martins, de acordo com o Relatório de Visão Geral Global Digital 202235, as redes sociais e aplicativos que mais cresceram no Brasil são: o WhatsApp, com 165 milhões de brasileiros utilizando o app; o YouTube, com 138 milhões que postam vídeos mensalmente; o Instagram, com 122 milhões de usuários; o Facebook, com 116 milhões ativos, e o aplicativo do TikTok sendo utilizado, no Brasil, por 73,5 milhões de pessoas.

O crescimento no uso cotidiano possibilitou o acesso a contas voltadas à educação, com postagens, em sua maioria, de tutoriais sobre recursos técnicos, plataformas, programas, aplicativos e softwares que, até então, eram restritos a técnicos, e passavam a ser operados pelos/as professores/as: vídeos de, no máximo, 3 a 5 minutos; textos curtos; áudios objetivos; videoaulas sucintas, intuitivas e convidativas, pois, o importante era aprender, no menor tempo possível, as novas competências inerentes à dinâmica comunicacional, a fim de experimentá-las na produção dos conteúdos direcionados às aulas e suprir as demandas educativas de alunos/as.

“Quem educará os educadores?” é o título da dissertação de mestrado de Juliana Siqueira (2009), autora de estudo de caso dedicado à investigação da formação continuada de docentes para a incorporação crítica e dialógica dos meios de comunicação em sala de aula. De acordo com Siqueira (2009, p. 323), é tarefa prioritária da formação continuada “aproximar e articular os educadores – algo apenas aparentemente banal, uma vez que envolve a disposição para o trabalho coletivo, a solidariedade com o outro e a valorização da participação ativa no ambiente escolar”.

Ainda que, como mencionado, 88,6% das pessoas que responderam à questão 21 não tiveram acesso à formação inicial para o ensino remoto ou receberam formação insatisfatória, podemos refletir se a ocorrência de uma rede de compartilhamento de experiências e dificuldades, apontada pela maioria dos/as participantes da pesquisa, permitiu a interação entre docentes entendida por Siqueira como função primordial da formação continuada.

Para Francisco Imbernón, autor da obra “Formação continuada de professores” (2010), a colaboração entre os pares é um aspecto importante tanto para o sucesso das práticas formativas como para a construção da identidade docente. Ao trabalharem juntos na condição de sujeitos da formação, os/as educadores/as assumem o protagonismo nos próprios processos formativos e desenvolvem em conjunto uma identidade profissional.

A profissão de docente tem sua parte individual, mas também necessita de uma parte cooperativa. Educar na infância e na adolescência requer um grupo de pessoas (para não mencionar a famosa frase indígena ‘necessita de todo um povo para ser educado’). Portanto, a formação continuada, para desenvolver processos conjuntos e romper com o isolamento e a não comunicação entre professores, deve considerar a formação cooperativa. (IMBERNÓN, 2010, p. 11).

Ao analisar os desdobramentos da formação no ambiente educacional, Siqueira identificou que eles ainda detêm o poder de fortalecer a reivindicação docente por melhorias na infraestrutura escolar quando “os sujeitos e suas ações conquistam visibilidade no ecossistema escolar e os conhecimentos produzidos na formação são socializados” (SIQUEIRA, 2009, p. 323). Caberia questionarmos, igualmente, se as redes de compartilhamento reportadas na pesquisa do MECOM (2022) foram capazes de trazer mudanças positivas à estrutura de tecnologias da informação e comunicação das escolas, da qual também depende a formação de professores/as para o ensino remoto.

Redes colaborativas de aprendizagem em mídias e tecnologias aplicadas à educação

As redes de compartilhamentos nos ambientes escolares colaboram com a partilha de experimentações ora positivas ora negativas, mas que ilustram as práticas no contexto escolar que podem ser referência, inspiração e até mesmo respostas a indagações sobre metodologias, teorias e práticas docentes. Enquanto nas unidades de ensino a consolidação foi aos poucos, nos ambientes virtuais elas cresceram consideravelmente.

Em um momento de isolamento social, as comunidades virtuais de aprendizagem organizadas nas diferentes plataformas digitais foram um dos caminhos para a formação docente autônoma. Nestes espaços, conteúdos disponibilizados contribuíram no atendimento às principais emergências dos/as educadores/as que, durante a pandemia, acumularam novas funções à sua dinâmica pedagógica. Habilidades e competências concernentes à comunicação, envolvendo diferentes mídias e recursos tecnológicos, tornaram-se imperativo para a condução do ensino-aprendizagem na modalidade remoto emergencial e continuou sendo com a migração para o ensino híbrido, que passou a ser a nova conduta – ao menos em proposta, pois ainda não se efetivou – com o retorno gradativo das aulas presenciais.

A pesquisa do MECOM (2022) apontou, ao longo das questões aplicadas, as diferentes plataformas que passaram a ser usadas pelos/as docentes, que tiveram de compreender, com mais propriedade, as múltiplas linguagens no percurso formativo. Produção de conteúdos, em formatos de textos, vídeos e áudios, para as plataformas educativas escolhidas pelas instituições; roteiros de aulas, orientações da semana, boletins oficiais e informativos sobre a dinâmica escolar para os portais e blogs; postagens para as diversas redes sociais; gestão das informações compartilhadas nos grupos de WhatsApp das turmas; e a responsabilidade de criar, publicar, monitorar e avaliar o engajamento da comunidade escolar em todos os materiais se fez presente em todo o período remoto e não tem sido diferente a partir da retomada do modo presencial.

Percebe-se que a dinâmica comunicativa, com foco na produção conteudista, e não só na linguagem escrita, mas, sobretudo, imagética, se fez necessária. Mais uma vez, voltamos ao questionamento acerca da formação docente. Caberia ao/à educador/a ser produtor e editor de vídeos e áudios? Tornar-se designer das artes para as postagens ou diagramador dos informativos? Operar equipamentos técnicos além do viés pedagógico? Estas são algumas das perguntas que nos fazem refletir sobre a comunicação – sob a ótica da circulação em massa – no trabalho docente.

Poucos tinham experiências com os equipamentos usados, até então, e com maior exclusividade por comunicadores, como os jornalistas, publicitários, radialistas e até mesmo relações públicas, e equipes técnicas nas áreas de Tecnologias da Informação. Foram estes, inclusive, que auxiliaram aqueles/as que se sentiam isolados em meio aos novos desafios que iam além do ensinar os seus componentes curriculares. Pode-se agregar aqui uma nova competência no campo de interface da comunicação e da educação, o Educomunicador, um/a profissional que trabalha a educação a partir do olhar da comunicação e forma-se a partir da comunicação como processo relacional, que inclui também a habilidade no manuseio dos meios de comunicação e das diferentes linguagens.

Afinal, todo o cenário escolar foi migrado para o ambiente digital, que, além das aulas, tanto síncronas quanto assíncronas, agregou as reuniões de equipes pedagógicas e famílias, os eventos comemorativos, as festas de encerramento do ano letivo, etc. O calendário escolar, nas redes que tiveram condições de dar continuidade ao ensino, foi seguido, na medida do possível, com rigorosidade.

Nesse contexto de compromissos, as comunidades virtuais de aprendizagem cresciam em meio à pandemia, e os inúmeros tutoriais postados diariamente foram perceptíveis na formação continuada dos/as educadores/as, que viam e ainda veem nesses espaços respostas às emergências das suas práticas. As pesquisas realizadas nas redes podem ser classificadas em três categorias, correspondentes aos assuntos que mais buscaram orientações para conduzirem suas práticas: a) dicas voltadas aos equipamentos necessários para a nova dinâmica docente e às apropriações dos recursos técnicos – “Como produzir um vídeo?”, “O que não pode faltar em um kit de youtuber?” “Como montar um estúdio dentro de casa?”; b) vídeos dedicados à dinâmica educativa – “Como usar o Google Sala de Aula?”, “Como montar avaliações no Google Forms?”, “Como montar seu portfólio no Google Apresentações”; c) e sugestões de aplicativos para ajudar a dinamizar as aulas virtuais – “Como usar a lousa digital?”, “Como montar um mural escolar no Padlet?”, “Como criar um jogo no Kahoot?”, “Como realizar rodas de conversa pelo Mentimeter?”, “Como separar os alunos em grupos nas salas virtuais?”.

Os “manuais” ganharam destaque, assim como as postagens para aplicativos diversos, que, antes da pandemia, eram, em sua maioria, pagos. E, na oportunidade, abriram para os/as milhares de educadores/as que buscavam alternativas para migrar atividades comuns no modo presencial para o digital. Dentre os mais usados, conforme apontados nos depoimentos registrados na pesquisa do MECOM (2022), estão Wordwall, para elaboração de quiz, avaliações, rodas de conversa, jogos diversos; Pixton, para criação de história em quadrinhos e tirinhas; Puzzle, para montagem de quebra-cabeças; Geniol, para criar caça-palavras, dentre outros.

A cada pesquisa, novas sugestões surgiam para os/as educadores, que, nesse período, contaram com a ajuda dos algoritmos, que, norteados pelos/as usuários/as tornavam os feeds mais convenientes aos interesses educativos.36 Esta busca constante por aplicativos para ajudar a promover práticas comuns no presencial para o universo digital resultou no aumento expressivo de comunidades nas redes sociais com dicas, sugestões, planos de aula e compartilhamento de experiências com as tecnologias na aprendizagem. As lives também foram preponderantes para a formação docente. Comandadas por grupos de pesquisas, instituições, unidades de ensino, empresas do ramo educacional, elas ampliaram o acesso não só a congressos, voltados às reflexões teóricas sobre o aprender e o educar, mas, também, a encontros diversos, tanto formais quanto informais, abertos para dicas, sugestões, compartilhamento da práxis com as mídias e tecnologias.

Os grupos fechados entre educadores/as pelo WhatsApp foram outras possibilidades – embora tenham sido, muitas vezes, um excesso e carga maior de trabalho – para a ampliação da rede de apoio. Neles, de maneira mais pessoalizada, os/as participantes compartilham as experiências, mas também as dificuldades; as tendências nas diferentes realidades; as mudanças no cenário educacional; as novidades na área de tecnologias; matérias sobre educação; dentre outros tópicos contributivos à formação docente. Canais diversos que evidenciaram que a coletividade contribui significativamente para o aprender e o ensinar.

Atravessamentos entre formação docente e inclusão das TICs na educação

O estudo da formação de educadores/as em tempos de ensino remoto emergencial tangencia invariavelmente a entrada das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) em sala de aula. Antes de debruçarmo-nos sobre esse entrelaçamento, vale atribuir aos processos formativos de docentes o seu justo valor – nem mais, nem menos.

Em entrevista concedida à revista Fronteiras 37, intitulada “Edgar Morin: é preciso educar os educadores”, o sociólogo francês reconhece a formação docente como condição essencial para a revolução do sistema educacional brasileiro. Apesar da demanda incontestável de investimento em processos formativos de educadores/as, faz-se necessário reduzir as expectativas depositadas sobre eles/elas, sob pena de responsabilizá-los/as indevidamente pelo sucesso ou fracasso de práticas pedagógicas. Aqui, recorremos a Perrenoud, que dedicou boa parte de sua obra ao tema da profissionalização de educadores/as:

Aparentemente, quase todas as críticas do sistema escolar são concentradas no mesmo bode expiatório: a formação de professores, que é considerada demasiado curta, inadequada, inadaptada, insuficiente, antiquada. Mas ela não merece nem este excesso de honra nem esta indignidade! (1993, p. 94)

Na visão de Leite e Ribeiro (2012), a formação docente constitui um dos requisitos – e não o único – para a inserção das TICs na educação.

Para a inclusão dessas tecnologias na educação, de forma positiva, é necessária a união de multifatores, dentre os quais, pode-se destacar como mais importantes: o domínio do professor sobre as tecnologias existentes e sua utilização na prática, e isso passa, necessariamente, por uma boa formação acadêmica; que a escola seja dotada de uma boa estrutura física e material, que possibilite a utilização dessas tecnologias durante as aulas; que os governos invistam em capacitação, para que o professor possa atualizar-se frente às mudanças e aos avanços tecnológicos; que o professor se mantenha motivado para aprender e inovar em sua prática pedagógica; que os currículos escolares possam integrar a utilização das novas tecnologias aos blocos de conteúdos das diversas disciplinas; dentre outros. (2012, p. 175)

Uma das relações que podemos tecer entre formação docente e TICs consiste na abordagem adotada para a qualificação de educadores/as para o uso dessas tecnologias. A pesquisadora Gláucia Bierwagen (2021) investigou em sua tese de doutorado as percepções docentes sobre a formação continuada no âmbito das relações da sociedade, da cultura e da presença das tecnologias de informação e comunicação e dos media nas instituições escolares. Para a autora, a formação de professores/as não pode se limitar à aquisição de habilidades e competências sobre as tecnologias, mas favorecer a adoção crítica das TICs em sala de aula e o desenvolvimento da capacidade de compreendê-las em diálogo com as esferas social, política, econômica e cultural.

De acordo com a Base Nacional Comum para a Formação de Professores da Educação Básica (2020), o/a docente deve estar apto/a a empregar as TICs ao se “comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer o protagonismo e a autoria na vida pessoal e coletiva” (BRASIL, 2020, p. 14). Contudo, um dentre os muitos desafios para atingir essa expectativa diz respeito à concepção que se elege para formar educadores/as críticos/as em relação a essas tecnologias. Enquanto Venâncio (2018), autora de tese de doutorado sobre a interpretação de professores/as acerca do uso de tecnologias em sala de aula, recomenda “a formação insubordinada docente” para alcançar esse objetivo, Bierwagen (2021) propõe a perspectiva da interface da Comunicação e Educação:

A formação continuada em comunicação e novas tecnologias, nesta ótica, incorpora a ideia de elaboração de múltiplas alfabetizações e letramentos (midiáticos, digital, informacional, etc.), que abrangem o desenvolvimento de competências técnicas, como saber gerir conteúdos digitais, usar aplicativos, produzir com os media, elaborar conteúdos digitais etc.; mas, também, envolve incluir o papel ativo dos/das docentes: na compreensão do papel da comunicação e a presença das tecnologias e dos media no mundo, como produtores de significados, de novos modos de sentir e viver; no conhecimento de como operam as (re)configurações das complexas relações sociais, culturais e econômicas; na percepção do funcionamento dos processos de produção da sociedade capitalista e quais são os principais representantes ideológicos/políticos/filosóficos que mobilizam as linguagens dos meios de comunicação e dos dispositivos tecnológicos. (BIERWAGEN, 2021, p. 168-169)

Os dados coletados nesta pesquisa sugerem que a adoção do ensino remoto emergencial durante a pandemia de Covid-19 acelerou a adesão das TICs em sala de aula, que parece ter acontecido, dada a urgência instaurada pela situação sanitária, de forma pouco reflexiva, desacompanhada de orientação ou com formação insuficiente para o uso de recursos tecnológicos necessários às aulas remotas. De fato, pouco poderia se fazer em tempo tão curto, o que reforça a necessidade de investimento contínuo, com retorno, em longo prazo, em formações docentes.

Após a imersão no ensino remoto, as secretarias estaduais e municipais de educação, além das diretorias regionais de ensino, conduziram o processo formativo dos/as educadores/as, montando o cronograma com base nas diretrizes nacionais – advindas das esferas nacional, regional, estadual e local – e, no geral, seguindo orientações compartilhadas por instituições ligadas à categoria educacional, como os Conselhos de Educação (nacional, estadual e municipal), a Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação de São Paulo), dentre outras.

Um dos exemplos é a Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo, que, por meio do Núcleo de Educomunicação, promoveu diversos cursos de curta duração – os chamados “Aulões de Educomunicação” – aos/às educadores/as, voltados à formação em linguagens comunicacionais, reflexões sobre os media, desenvolvimento de projetos educomunicativos nas escolas, dentre outras temáticas.38 Essa é uma das diversas iniciativas que se valem da interface da Comunicação e Educação para apoiar docentes no emprego crítico de TICs em sala de aula. No entanto, esta rede é uma das mais envolvidas no universo midiático e tecnológico, sobressaindo-se nas ações.

As demais secretarias, em sua grande maioria, firmaram parcerias com empresas privadas para conduzir seus cursos, e, dentre as mais solicitadas, foram as conveniadas ao Google For Education, que dominou as plataformas educativas, tanto das unidades públicas quanto privadas, formando um império no setor educacional. Atualmente, é raro uma escola que ainda não tenha aderido aos aplicativos do Google para a dinamização da rotina docente e discente.

Somam-se a essas experiências formativas os achados da investigação bibliográfica conduzida por Edilane Carvalho Teles e Glaucia Bierwagen (2021), por ocasião da produção da pesquisa realizada anteriormente pelos/as pesquisadores/as do MECOM. Entre os exemplos encontrados, estão a assessoria prestada pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), campus de São Miguel do Oeste, às secretarias de educação municipais catarinenses para a formação de docentes, a partir de webconferências e materiais audiovisuais e impressos (KOHNLEIN et al, 2020 apud BIERWAGEN e TELES, 2021). Também poderíamos citar a utilização do canal Sedu Digit@l, no estado do Espírito Santo, por profissionais da rede capixaba e convidados/as para a realização de lives que debatiam “o currículo do estado, a educação especial, o uso de tecnologias de informação e comunicação, além da criação de recursos digitais e roteiros de estudos para os alunos e alunas” (BIERWAGEN e TELES, 2021, p. 95).

Considerações finais

Do ponto de vista da formação docente, a pandemia de Covid-19, acompanhada da adesão ao ensino remoto emergencial, parece ter agravado deficiências já conhecidas do sistema educacional brasileiro. Os dados levantados neste relatório apontam que a maioria dos/as respondentes considerou insatisfatória a formação para o ensino remoto emergencial ou informou não ter recebido formação alguma, o que alerta para a necessidade de priorizar os processos formativos de docentes no conjunto de esforços empreendidos pelos governos e pela gestão escolar. Quando os/as respondentes da nossa pesquisa acusaram recebimento de formação, disseram haver sido promovida sobretudo por técnicos/as e gestores/as das escolas.

Por outro lado, uma parcela expressiva dos/as participantes da pesquisa contou com algum tipo de rede de compartilhamento de experiências e dificuldades durante o ensino remoto emergencial, descoberta que traz certo frescor para a investigação de nosso objeto de estudo, principalmente pela eventual potência dessas redes de suporte, visando ampliar a articulação, a visibilidade e o ‘poder’ de reivindicação dos/as docentes por melhorias na infraestrutura de tecnologia das escolas, imprescindíveis ao sucesso do ensino remoto.

Finalmente, ensaiamos tecer breves considerações entre a formação de educadores/as e a inclusão das TICs nas escolas, reforçando a importância de se investir em processos formativos capazes de desenvolver um entendimento crítico, tarefa que pode ser empreendida sob a perspectiva da interface da Comunicação e Educação.

Notas

29-

Lembrando que cada segmento cumpriu as orientações locais (da escola ou instituição), regionais (cidades, municípios e estados) e nacionais, estas últimas sem direcionamento específico, além de terem sido marcadas pela ausência de políticas de inclusão (como a compra de materiais) para dar continuidade às atividades educativas.
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30-

Algumas redes levaram meses para organizar as aulas remotas e, com a autorização dos governos estaduais para o retorno ao modo presencial, também demoraram para reestruturar as escolas para receberem os/as alunos/as.
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31-

Reiteramos mais uma vez que não podemos confundir ensino remoto ou ensino híbrido com Ensino à Distância (EAD). Os conceitos e entendimentos merecem reflexão mais atenta e aprofundamentos para não haver o risco de que os desafios e complexidades da educação, formação e a atuação docente sejam minimizados. Uma seção específica deste relatório traz definições de alguns destes termos.
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32-

As seções VI e VII do relatório recuperam discussões acerca dos algoritmos.
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33-

Ver Tema III – Infraestrutura do Espaço Doméstico, neste relatório.
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34-

As Big Techs são empresas de tecnologias que passaram a moldar a forma de trabalho e comunicação das pessoas, assim como o comportamento dos consumidores. As mais famosas são as chamadas “Big Five”, formadas por Apple, Amazon, Alphabet, Microsoft e Facebook, que dominam o mercado e são referências em inovação. Essa discussão é aprofundada nas seções VI e VII.
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35-

As 10 Redes Sociais mais acessadas no Brasil em 2023. Disponível aqui. Acesso: 14 fev. 2023.
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36-

Os algoritmos são comandos que orientam o passo a passo e conduzem uma ação e resolução de problemas para os objetivos traçados. Eles são orientados por uma lógica de programação que estrutura conceitos e regras que os orientam. Da mesma forma, as pesquisas na internet sobre determinado assunto orientam os algoritmos a fornecer informações sobre as buscas dos usuários. Sobre algoritmos, ver também seção VI e VII deste relatório.
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37-

Disponível aqui. Acesso: 19 dez. 2022.
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38-

Disponível aqui. Acesso: 20 dez. 2022.
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Referências:

BRASIL. Portaria n° 882, de 23 de outubro de 2020. Diretrizes curriculares nacionais para a formação continuada de Professores da Educação Básica e Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica. Brasília, DF: MEC, 2020. Disponível aqui. Acesso: 5 mar. 2023.
BIERWAGEN, Glaucia. Vozes da trans(formação) docente na perspectiva da Comunicação/Educação. 2021. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2021.
TELES, Edilane Carvalho; BIERWAGEN, Glaucia. Formação midiática e tecnológica de docentes. In: CITELLI, Adilson. (org.). Comunicação e educação: dinâmicas midiáticas e cenários escolares. Ilhéus: Universidade Estadual de Santa Cruz, 2021. p. 79-100.
CITELLI, Adilson. Inter-relações comunicação e educação no contexto do ensino básico. [recurso eletrônico]. São Paulo: ECA-USP, 2020. Disponível aqui. Acesso: 11 dez. 2022.
FONSECA, Marília. A gestão da educação básica na ótica da cooperação internacional: um salto para o futuro ou para o passado? In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro; FONSECA, Marília (org). As dimensões do projeto político-pedagógico. Campinas: Papirus, 2013.
IMBERNÓN, Francisco. Formação continuada de professores. Porto Alegre: Artmed, 2010.
LEITE, Werlayne; RIBEIRO, Carlos. A inclusão das TICs na educação brasileira: problemas e desafios. Bogotá, Revista Internacional de Investigación en Educación, v. 5, n. 10, 2012, p. 173-187.
MARTINS, Diana. As 10 Redes Sociais mais usadas no Brasil em 2023. Rockcontent, 3 out. 2022 Aqui. Acesso: 19 jul. 2023.
PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993.
SIQUEIRA, Juliana. Quem educará os educadores? A Educomunicação e a formação de docentes em serviço. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009.
VENÂNCIO, Valkiria. Visão antiessencialista da tecnologia da educação: estudo sobre a interpretação, por professores em formação, do software de programação usado em sala de aula. 2018. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

TEMA VI

ESCOLA, PANDEMIA E QUESTÕES TEMPORAIS I

Comunicação e escola no contexto pandêmico: vetores temporais39

Dados e reflexões deste tópico:
leia a análise completa
Esconder Análise

Introdução

A percepção de estarmos circundados por uma temporalidade acelerada impõem-se cotidianamente, haja vista os processos de retroalimentação entre inovações tecnológicas, relações sociais e dinâmicas de vida. O fenômeno não é novo, mas ganhou intensidade e profundidade desde as primeiras décadas do século XX, quando o tema da velocidade se impôs trazendo consigo seja a revolução futurista seja o olhar desconfiado dos que enxergavam no culto à rapidez um desvio de rota capaz de comprometer o próprio devir humano. Bastaria lembrar, de um lado, o poeta italiano Fillipo Tommaso Marinetti (1876-1944) expondo em seu Manifesti del futurismo “(...) la bellezza della velocità”; daí que um automóvel em movimento transitando sob o picar das metralhadoras fosse mais belo do que a Vitória de Samotrácia.40 E, de outro, Euclides da Cunha (1866-1909), ainda sob os efeitos da tragédia havida em Canudos, e olhando o cenário do Rio de Janeiro, nos pródromos de 1900, atravessado pelo barulho dos transeuntes e dos veículos motorizados: “(...) a minha maior aspiração seria deixar de uma vez este meio deplorável com as suas avenidas, os seus automóveis, os seus smarts (...) as suas fantasmagorias de civilização pesteada. Como é difícil estudar-se e pensar-se aqui!”.41

Tais tensões prosseguem sob diversos registros, entrecruzamentos e modulações, pondo à luz, contemporaneamente, a existência de cenário complexificado pela amplitude e alcance das técnicas e tecnologias associadas à celeridade temporal. Daí o nosso repto em pensar as questões comunicativo-educativas – e seus diferentes modos designativos:  educomunicação, educação midiática, literacias, para não alongarmos a lista – a partir dos vínculos entre intensificação da velocidade e aparatos industriais-informáticos, tendo em mira a ativação do ensino remoto emergencial, modalidade que ganhou força durante o período mais agudo da pandemia causada pelo coronavírus.

E, possivelmente, um dos grandes incitamentos a serem enfrentados pela educação escolar nos próximos anos resida em compreender e agir frente a uma circunstância tecno-histórica que não esclarece a ordem do tempo, reduzindo a um mesmo termo a pressa, a hiperinformação e as operações maquínicas. Nessa operação contrativa, o tempo deixa de significar para nós, algo de que dispomos segundo conveniências ou interesses pessoais, convertendo-se em métrica regulada por determinações exógenas locadas, por exemplo, nas demandas do mercado, ou nos ritmos escolares a conterem prazos institucionais consoantes às avaliações e progressões por séries. Estar no tempo42 passa a representar, portanto, menos questão fenomênica, e mais uma pactuação com metas e “ordens de serviço” cuja rotina indica intensificado vínculo-dependência junto aos dispositivos digitais. Ou, segundo Walter Benjamin, os episódios da vivência impuseram-se sobre os da experiência, motivo pelo qual já não nos apropriamos mais do tempo, da possibilidade de viver o nosso próprio tempo. A consequência do desajuste pode ser encontrada na dinâmica do corre-corre, agitação que relega ao esquecimento as marcas significativas a nos constituírem enquanto sujeitos. Entende-se o acesso, muitas vezes, compulsivo às ofertas dos sistemas digitais na sua profusão de redes sociais, e-mails, aplicativos, plataformas, tudo a promover uma espécie de emergência ou encurtamento do presente (gegenwartsschrumpfung)43, instigando que deixemos de viver a experiência (erfahrungen)44, aquilo que conta, efetivamente, para-nós.

É procedente admitir a existência de um desdobramento deste aceno reificado, e que amplia o esclarecimento dos liames sujeito-tempo, quando observamos a saga dos viajores pela internet a se deslocarem buscando, aparentemente, encontrar o insondável. Geert Lovink (2022) chama a tais passeantes pelos dispositivos de doomscrolling – os condenados a rolar, no caso, a tela do mobile, de cima para baixo e vice-versa, saltando por informações segmentadas, desconexas, efêmeras, tudo sob o compasso do frenesi. Termo assemelhado é o doomsurfing – em versão libérrima: o surfista prisioneiro de ondas e que nunca alcança a praia. Neste particular, o problema mais complicado reside no fato de as navegações seguirem roteiro precificado pelas Big Techs 45, a pedirem permanente conexão durante 24 horas, 7 dias por semana (CRARY, 2014). Vale dizer, os algoritmos tendem a orientar o movimento háptico fingindo concessão ao tempo subjetivo, o que torna as escolhas abarcando informações e frequência às redes algo submetido ao regime de “liberdade vigiada”. A prisão referida por Lovink, diz respeito, portanto, à dificuldade de os internautas escaparem ao poder centralizado pelas plataformas oligopolizadas, assim como à capacidade que elas desenvolveram de administrar sentimentos e comportamentos, expressando o fim do sonho segundo o qual a descentralização dos primeiros anos de expansão das redes digitais traria mel e maná, sob forma de independência de acesso, controle da informação pelo usuário, democratização das atividades deliberativas de interesse público etc. Enfim, a errância que poderia soar como expressão do tempo moderado pelo sujeito, aquele direito de exercer o “ato de vontade”, de que fala Hannah Arendt (2009)46, deságua no enquadramento de hábitos dando ao aleatório ir e vir dos dedos, que “surfam” pelas telas, a sensação segundo a qual num próximo movimento o segredo (seja lá qual for ele) a ser descoberto ganhará revelação; a ansiedade do navegante fica longe de ser abrandada.47

É neste andamento que inserimos o debate acerca dos desafios postos aos processos educomunicativos, haja vista colocar-se à escola uma realidade emergente ancorada nos aparatos midiáticos, plataformas, circuitos digitais, e os consequentes usos deles por docentes e discentes. Aduza-se que a introdução dos mediadores remotos nas salas de aula do país, com a agudização da pandemia trazida pela SARS-CoV-2, em particular nos anos 2020 e 2021, ocorreu no calor da hora, em ritmos e condições desiguais segundo regiões, cidades, grupos sociais, problemas na formação de discentes e docentes para lidarem com uma nova realidade interposta à educação no país.

No propósito de aprofundar este debate, nas páginas seguintes cruzaremos dois movimentos reflexivos, um proveniente da pesquisa que vimos realizando na interface comunicação e educação e outro voltado a problematizar as circunstâncias nas quais os dados recolhidos durante a investigação entram em maior ou menor sintonia com as chamadas culturas digitais. Isto é: acompanhar os fluxos de ensino-aprendizagem implica reconhecer, hoje, a existência de um ecossistema comunicacional-informacional plasmado desde as plataformas digitais oligopolizadas, que registram lógicas temporais próprias, nem sempre convergentes aos imperativos pedagógicos e mesmo de organização da vida social e pessoal dos docentes e discentes.

Desenvolvimento

No fragmento euclidiano posto anteriormente, os verbos estudar e pensar, ligados à quietação individual, ficam comprometidos pelo açodamento do cotidiano que entrega ao barulho e à agitação estéril os ritmos da vida nos inícios do século XX. O turbilhão nega o amadurecimento da experiência, do tempo necessário para aclimatar e densificar o que poderia transformar-se em acontecimento.48 A aceleração, enquanto nível de grandeza que determina a taxa de variação da velocidade em função do tempo, parece vocacionada, consoante os nossos dias, a naturalizar o vetor da intensificação, cuja ordem referencial remete ao just in time, ao triunfo na concorrência, aos requisitos em crescendo do capital. A correria segue uma métrica que não incorpora o “movimento retardado”49, haja vista possuir como núcleo a competitividade, isto é, a disputa voltada à acumulação (de dinheiro, informação, poder etc.), ao domínio do mercado ou setor dele, ao galardão socialmente distintivo; e daqui se exclui a variante negativa da velocidade. E nas periferias sobram os escombros da peleja, cuja tradução objetiva é encontrada na luta renhida dos grupos subalternizados que buscam emprego, alternativas geradoras de renda, submissão à informalidade – afinal, é aceitar ou perecer. E, também aqui, a cadência é prestíssima e o apressuramento com que se esvaem postos de trabalho corresponde diretamente à ampliação dos buracos impostos àquilo chamado outrora de “redes de segurança” da mão de obra assalariada. Enfim, para os precarizados, expandir a largura dos passos não significa reconversão direcionada a algum estado de prosperidade ou melhoria na qualidade de vida.

Deixar o tempo correr, silêncio, tranquilidade, escapar da “agitação estéril”, são expressões gestadas a contrapelo da aceleração. Os reclamos do autor de “Os sertões” dizem respeito, portanto, à dificuldade de sobrepor o plano da experiência ao da vivência, pois existem inúmeros impasses a serem superados quando está em causa driblar as lógicas produtivas que atravessam as relações sociais. O problema em tela não diz respeito ao sentimento de nostalgia, de regressão, de avocar uma espécie de in illo tempore da felicidade permanente, mas às condições necessárias dirigidas à emersão do elemento reflexivo que pede cadência própria de maturação, cujo sincronismo – e para continuarmos na aflitiva imagem elaborada por Euclides da Cunha – pouco ou nada se ajusta aos barulhos dos automóveis em deslocamento pela avenida Central, no Rio de Janeiro dos primeiros anos do século XX. E, sequer, às imposições da presente sociedade administrada regida por determinativos mercadológicos, pragmáticos, de cumprimento de metas e tarefas, muitas vezes, colocadas ao largo dos interesses e desejos dos indivíduos. No fundo, a pressa em voga diz respeito não ao afeto pelo tempo, mas “(...) à sua desvalorização” (KEHL, 2009, p. 161).

Colocados em perspectiva, os dois destacados verbos euclidianos, estudar e pensar, estariam alinhados aos territórios da experiência (erfahrungen) e das indagações ontológicas, e que poderiam ajustar-se à máxima corrente, mas de dificultoso exercício, da educação para a vida inteira. Por esta trilha, o modo compassivo, que solicita algum silêncio e redução de velocidade, ficaria mais próximo do conhecimento emancipador. Ao revés, dar ao tempo dimensão de mercadoria, portanto algo que foge ao controle dos sujeitos, implicaria incrementar a velocidade enquanto elemento social estruturante, parte inescapável de uma era sob a égide das tecnologias digitais. Através deste caminho, restaria admitir que o conhecimento regulador, espécie de limitante cognitivo, onde habitam as paráfrases continuadas, impôs-se enquanto estratégia dominante a alcançar, inclusive, o ensino formal. Tal quadro que beira a agnosia resulta da convergência e mesmo imantação de inúmeros fatores apontados, entre outros, por Paul Virilio ao trabalhar o conceito de dromologia (1996).

Considerando os propósitos desta seção, pôr à luz algumas das tensões entre barulho e capacidade de pensar, intensificação da velocidade (agora, em forte vínculo com os ativadores digitais) e ritmo necessário ao estudo, é uma maneira de trazer para o campo da comunicação-educação um conjunto de problemas que estão afetando, diretamente, as instituições escolares. Equivale dizer: indagar acerca das circulações comunicativo-educativas nas salas de aula demanda não perder de vista o quadro sociotécnico interveniente na vida social e, sobretudo, nos alastramentos que representa para o cotidiano dos/das discentes e docentes.

1

O contexto no qual se organiza a tecnosfera – por sua vez traduzida na maneira como a informação e o conhecimento são operados –, cuja rede de possibilidades inclui celulares, internet, redes sociais, enfim, o amplo espectro dos aparatos comunicacionais, é realidade a perpassar sujeitos e instituições, e de crescente presença nas salas de aula. A pandemia provocada pela Covid-19 apenas acentuou e mesmo redefiniu o lugar dos mediadores técnicos digitais na educação formal. A introdução do chamado ensino remoto, e as suas variações híbridas, agregou desafios que impactaram ou continuam impactando seja nas estratégias presenciais seja nas à distância. De toda sorte, os fluxos entre processos comunicativos e educativos, facilitados pelo aparato digital, ocorrem no âmbito de recursos que se integram fortemente às lógicas da velocidade. Por um lado, o imperativo da urgência, a pressão do burburinho e da “agitação estéril”, o chamado ao tempo útil – aquele controlado pela racionalidade dos processos de produção e que abre poucas brechas para o sujeito viver o seu próprio tempo. Por outro, as particularidades interpostas pelo discurso didático-pedagógica, que solicita (ou deveria fazê-lo) a quietação frutuosa, movimento moderado, atenção ao aprendizado da leitura, da escrita, do cálculo, da reflexão, da crítica, do fazer formativo que se elabora na longa duração, algo nada afeito ao citado gegenwartsschrumpfung – ou seja, a contração/encurtamento do presente. Nesse enunciado tensivo encontramos um cenário animado por dois senhores: um rege a grande orquestra de sons e luzes, do espetáculo e da excitação, da rapidez e do efêmero, da estimulação eletrônica fragmentada; o outro pede alguma introspecção, certa vagareza, capacidade de exercitar a escuta e o diálogo, paciência, operações aditivas, acumulação, convivência virtuosa com o tempo inútil – aquele dentro do qual é possível realizar os percursos implicados no amadurecimento intelectual e emocional dos sujeitos, em que se enfatiza a experiência e se busca o evento acontecimental.

Em angulação maior, a tensão temporal pode ser pensada à luz das migrações permanentes que regem a chamada tardo-modernidade: fragmentação, instantaneidade, obsolescência, fugacidade. Se a estabilidade reside na transição, nada indica que a marcha tecnológica conhecerá arrefecimento, logo, a estimulação eletrônica fracionada, aquela feita aos saltos entre redes sociais, sites, textos de poucas palavras, avidez pela novidade, parece encarnar a própria condição do devir.

Desta sorte, é necessário considerar a ativação do ensino remoto emergencial – termo sob o qual estão (ou deveriam estar) abrigadas sejam estratégias pedagógicas capazes de viabilizar a educação escolar à distância sejam os recursos ou mediadores tecnológicos aptos a tornar viável aquela modalidade educativa – no interior de uma circunstância sociotécnica na qual se sobressaem os dispositivos digitais e a perspectiva de um regime temporal marcado pela aceleração. Posto de outra maneira, caso ganhe espaço na escola o acionamento dos mediadores comunicacionais, sobretudo aqueles ancorados nos sistemas digitalizados, é imperativo mirar as variadas circunstâncias, conforme buscamos situar algumas delas em páginas acima, que compõe o cenário das mutações permanentes ensejadas na tecnosfera.

No intuito de esclarecer o lugar de onde derivam essas considerações teóricas, e com o qual mantêm sintonia dialógica, voltamo-nos de maneira mais sistemática à análise das questões presentes em nossa pesquisa e convergentes aos vínculos entre ensino remoto, dispositivos tecnológicos e aceleração temporal. Para tanto, fixamo-nos em cinco figuras a serem examinadas na sequência abaixo. Observe-se que, em alguns casos, o número total excede 100% por serem permitidas mais de uma resposta.

Figura 24 – Recursos de comunicação mais utilizados durante a realização do trabalho docente remoto (%)
Telegram
3,4
E-mails
44,1
Plataformas de videoconferência
76,1
WhatsApp
90,6
Fonte: MECOM (2023)

O WhatsApp é um aplicativo digital de crescente manuseio pelos portadores de smartphones. Haja vista as suas funcionalidades, permitindo o envio ou recebimento de inúmeros tipos de signos, podendo ser eles verbais, sonoros, imagéticos, com chamadas de voz, trânsitos de documentos, enfim, arquivos de natureza variada. Significando algo como “o que está acontecendo/havendo”, permite acionamento sem que os usuários paguem diretamente pela utilização do serviço. É uma multiplataforma compatível com diversos sistemas operacionais e razoavelmente protegida, tendo controle criptográfico de ponta a ponta. A preferência pelo WhatsApp (90,6%), seguida pelas plataformas de videoconferência (76,1%) retira o e-mail (44,1%) daquele rol de precedência vigente até poucos anos atrás. O conjunto de facilidades, entre eles o da intensificação da velocidade no trânsito das mensagens, permite aos professores e professoras usuários do WhatsApp exercitarem operações mais ágeis e de maior mobilidade no tangente quer a tarefas corriqueiras quer às solicitações didático-pedagógicas impostas pelo ensino remoto. As plataformas de videoconferência foram indicadas em segundo lugar como de maior acesso pelos/as docentes.50 De toda sorte, verifica-se nesta pergunta que os/as educadores, conquanto os limites e dificuldades técnicas e operacionais enfrentadas ao longo da pandemia, buscaram alternativas tecnológicas para dar continuidade ao mister educativo formal.

Figura 25 – Frequência com que acessa e-mails de trabalho, excetuados os fins de semana %
Fonte: MECOM (2023)

Ainda que o WhatsApp seja largamente utilizado pelos/as docentes, conforme visto na figura 24 e o e-mail tenha ficado apenas como terceira indicação (44,1%) é necessário, para se ter um panorama mais amplo da aceleração social do tempo junto aos/às docentes, verificar que em boa parte das horas semanais estão eles e elas conectados/as aos dispositivos tecnológicos e presos/as a atividades profissionais.51 Somadas as indicações de diariamente (uma ou mais vezes ao dia) temos 75,2% dos/das respondentes; acrescido o vetor semanalmente, o número chega a 93,1%. É possível asseverar, portanto, que o acesso ao e-mail entre os/as docentes, facilitado pela disseminação dos smartphones, continua sendo fonte de comunicação e permanência de vínculos com o já discutido tempo útil, aquele cujo andamento das horas associa-se aos ritmos impostos pelos sistemas produtivos, sejam eles de natureza material, simbólica, representacional etc.

Figura 26 – Durante a pandemia, você se sentiu pressionado/a para responder rapidamente mensagens de trabalho em seu celular? (%)
Fonte: MECOM (2023)

A figura em exame esclarece como o espraiamento dos processos de aceleração do tempo acabam alcançando os diversos âmbitos da vida profissional (e mesmo pessoal) dos/das docentes. Perto de 70% dos/das respondentes indicam haver sofrido muita pressão para esclarecer celeremente pedidos feitos seja por discentes seja por dirigentes escolares ou secretarias de educação, no período em que o ensino remoto se fazia modalidade dominante. Vale dizer, o celular – até pela facilidade operacional – funciona como uma espécie de ponto de atendimento imediato de demandas que não cessam de ocorrer, sobretudo naquela circunstância pandêmica. E o substantivo pressão, enunciado no miolo da pergunta, possui peso específico pela carga que gera do ponto de vista emocional e mesmo de execução de tarefas requisitadas pelo ensino à distância. Neste contexto, o sentir-se pressionado implica, para professores e professoras, uma espécie de “saturação do eu”, nos termos de Kenneth Gergen (2000) – a profusão de contatos permitidos pelos dispositivos comunicacionais e o requisito de estar com todos ao mesmo tempo vem provocando mudanças nas sociabilidades, daí a referida exaustão do eu. Tal processo marcado pela coerção acelerativa (é preciso fazer muito em pouco tempo) ajuda a explicar, em boa medida, o aumento das enfermidades laborais, dos e das docentes, a exemplo da síndrome de Burnout, das depressões e quadros de ansiedade, conforme se pode acompanhar de forma ampliada no tema VII deste relatório. Se juntamos os subitens muito e razoavelmente chegamos a 87% dos professores e professoras que são premidos pela velocidade, pelo “just in time”, por ter que responder com presteza às indagações formuladas por inúmeras demandas advindas dos discentes ou instâncias burocráticas afeitas à unidade educativa. Percorrendo esta via, e considerando a pergunta em tela dizer respeito ao dispositivo móvel, torna-se factível deduzir o fato de que – malgrado o isolamento social decorrente da pandemia – a disponibilidade do aparelho celular52 e o amplo franqueamento ao seu uso promoveu tanto o aumento na carga de trabalho dos/das docentes como a convivência deles e delas com uma ordem temporal marcada pela celeridade.

Figura 27 – Na sua opinião, a afirmativa: “Ultimamente o tempo está passando muito rápido” é: (%)
Fonte: MECOM (2023)

A quase totalidade dos/das docentes, 93,1%, respondeu afirmativamente à assertiva segundo a qual a passagem do tempo é apreendida sob o signo da velocidade. Existem fatores que confluem para identificar a celeridade como uma espécie de marca da tardo-modernidade. Ao longo deste texto procuramos situar quais são os “motores dromológicos” (VIRILIO, 1996), mas para a pergunta em tela basta lembrar o fato de estarem as dinâmicas profissionais docentes – sob a circunstância pandêmica e premidas pelo ensino remoto (ou variações híbridas) –, mediadas por certos dispositivos de aceleração tecnológica.53 Como se verifica nas figuras 24, 25 e 26,  os equipamentos digitais, os aparelhos celulares e os aplicativos compõem determinado cenário comunicacional cujo vetor principal é animado pelo princípio geral da rapidez. A internet, os mobiles, o sentido de urgência que acompanha o WhatsApp, enfatiza a cinesia, a presteza, o “encurtamento do presente”. Ou seja, neste caso particular – mas que poderia ser ampliado para tantas outras situações profissionais e vivenciais – há o esclarecimento de que a relação com o tempo se tornou algo agregado à lógica de uma crescente e excessiva demanda trazida ao trabalho docente. E a face visível de tal processo recai nos modos de operar a informação (ou, eventualmente, o conhecimento) regida pelos dispositivos tecnológicos. Em síntese, ao que tudo indica, a desaceleração não é, em última instância, uma boa companheira dos fazeres educativos formais regidos pela modalidade remota. Haja vista o estreito vínculo desta e da próxima figura, nela realizaremos outras ponderações acerca das circunstâncias que presidem a ideia/percepção/sensação afinadas aos desafios interpostos pela aceleração temporal. O pesquisado/a poderia responder a mais de uma alternativa.

Figura 28 – Caso sua resposta à pergunta anterior tenha sido a alternativa "procedente", você associa essa aceleração do tempo ao/à : (%)
Falta de atividade relacionada ao lazer e entretenimento
34,4
Desejo de realizar mais em menor espaço de tempo
35,4
Impossibilidade de realizar atividades relacionadas à vida pessoal, como comparecer a uma consulta médica...
39,7
Fato de estar permanentemente conectado à internet
47,8
Ritmo intenso da jornada de trabalho
84,4
Fonte: MECOM (2023)

O exame dos motivos que sustentam, por parte de professores e professoras, o reconhecimento de uma temporalidade socialmente acelerada, conquanto os vários entrecruzamentos e certa abertura que poderia transcender o mister unicamente vinculado aos fazeres educativos postos no eixo pandemia/ensino remoto, atribui maior relevância ao intenso ritmo da jornada de trabalho. Pensado em seu conjunto, porém, o contexto da nossa pesquisa buscou enfatizar os nexos entre mediadores tecno tecnológicos (imperativos para levar a cabo o ensino remoto e formas híbridas), os ritmos temporais e o afastamento das salas de aula como decorrência da vigorosa difusão da Covid-19 entre os anos de 2020 e 2021. De toda sorte, 84,4% dos/as pesquisados/das acentuam o fato de estarem sob premência da velocidade para a execução dos seus misteres profissionais. O que reforça reflexão feita anteriormente nesta seção acerca dos problemas resultantes dos determinantes socioeconômicos afeitos ao “tempo útil” – aquele sobre o qual não temos domínio, haja vista funcionar enquanto valor de troca nas disputas envolvendo o emprego e a geração de renda em suas variações assentadas pelas atuais dinâmicas do capital. Ou nos termos de Hartmut Rosa (2022, p. 141):

Tal como com nossas ações e mercadorias, o que ocorre aqui é uma falta de “apropriação do tempo”, nós não conseguimos fazer do tempo de nossas experiências o “nosso” tempo: permanecemos alienados dos episódios de vivência e do tempo que lhes devotamos. Essa deficiência de apropriação das nossas ações e experiências, todavia, conduz necessariamente a formas mais severas e, não menos, de autoalienação.

Na sequência da figura 28 quase metade do corpus (47,8%) associa, também, a ideia do tempo fugidio à frequência diária à internet, inclusive em operações repetidas várias vezes ao dia. 39,7% consideram, ainda, a impossibilidade de realizar atividades referentes à vida cotidiana, a exemplo de dispensar maior cuidado com a saúde, como indicador de que o tempo segue rápido; 35,4% situam a percepção do aceleramento à necessidade de fazer mais em menos tempo, o que não deixa de, muitas vezes, manifestar-se em transtornos de ansiedade, pânico, agorafobia; 34,4% consideram a falta de atividades de lazer e entretenimento como fatores a gerarem o sentimento de que o tempo passa rapidamente.

Enfim, há cruzamentos de ordens diversas para alimentar a “angústia do tempo”, que associa dois elementos importantes. De um lado, os regramentos objetivos impostos pelo ritmo laboral, o “tempo útil” – que não é, fundamentalmente, controlado pelo sujeito, pois resultante de circunstâncias institucionais, empregatícias, de tarefas compulsórias a serem cumpridas. E, de outro, fatores mais ligados à falta, à impossibilidade de concretizar projetos pessoais, e que pediriam desaceleração, a exemplo dos afeitos ao lazer, à vida familiar, à realização de atividades compromissadas com a autossatisfação: trata-se do “tempo inútil” – aquele no qual a vita buona poderia, finalmente, fazer-se presente sem trazer consigo o sentimento de culpa.

2

Verifica-se nos dados acima, e em outros constantes da nossa pesquisa, a tendência de utilização das tecnologias digitais concentradas em mídias locativas, computadores, dispositivos variados a incluírem sites, programas, aplicativos, que, mobilizados em maior intensidade durante a pandemia (a despeito dos problemas de infraestrutura das escolas e dificuldades operacionais por parte dos/das docentes), prosseguirão em sua rota de crescente presença no cotidiano dos/das profissionais educadores/as e dos/das discentes. É o processo geral que vimos chamando de estimulação eletrônica, expressão de um fato social que perpassa e é perpassado pela excitação do corpo e do espírito em forte vínculo com a aceleração tecnológica, cuja marcha, ademais, não indica arrefecimento.

O problema de fundo e a ser tratado pela comunicação-educação é como ajustar dois ritmos temporais nem sempre congruentes: de um lado, a rapidez na circulação das mensagens tecladas através do WhatsApp, na economia das palavras facilitadas pelo Twitter, ou na larga interatividade digital, e, de outro, os andamentos que os/as docentes devem dispensar quanto ao esclarecimento de enunciados matemáticos, à compreensão dos jogos de linguagem presentes nos poemas etc. A escola, neste particular, continua sendo excelente alternativa para refletir acerca das variadas temporalidades e esclarecer que, nem sempre, a rapidez da internet, as facilidades embutidas na praticidade dos mobiles, é o melhor caminho para responder aos desafios apresentados à cognição, ao amadurecimento dos sujeitos diante das incitações trazidas pelo conhecimento, à compreensão das inúmeras indagações suscitadas no âmbito da cultura, das artes, da ética. Reside, aqui, um dos motivos pelos quais ao atropelo da comunicação tecnicamente mediada, à ligeireza das redes sociais, ao espetáculo midiático, ao dirigismo dos algoritmos, ao descalabro das fake news, sempre haverá espaço para a educação formal instituir dinâmicas reflexivas em condições de se interporem aos imperativos tecnológicos, estimulando os olhares desconfiados, esclarecendo, enfim, o fato de que certas demandas ligadas à pressa e à fugacidade costumam ser pouco fecundas quando entram em cena os processos formativos dos sujeitos. O fato de professores e professoras haverem acionado, emergencialmente, celulares e computadores para darem seguimento ao seu mister durante a pandemia não significa que, em momento posterior, o tema concernente à excitação tecnológica deixe de ser apreciado.

Atuar na tensão entre tempo didático-pedagógico de maior fixidez e tempo fugidio dos aparatos técnicos não é, portanto, tarefa simples, malgrado solicitar enfrentamento por parte das instituições educativas formais. Cabe adicionar o fato de, a rigor, inexistirem duas realidades, uma dentro outra fora dos muros da escola, ficando discentes e docentes divididos entre elas. Ao contrário, pois o que se elabora é uma totalidade social cuja característica mais visível é a de tornar porosas as relações entre o público e o privado, as instâncias formais e informais, as redes sociais e as salas de aulas. Os dispositivos jogam papel importante neste circuito, as mídias locativas54, por exemplo, registram a potência de trazer para o interior das escolas o burburinho das ocorrências cotidianas, as informações jornalísticas, as trocas de memes e fotografias, rompendo os limites impostos pelos já citados dois ritmos temporais. Em uma palavra: ajustar a pluralidade desses processos sem comprometer as funções, objetivos, finalidades e o lugar social e temporal das salas de aula é repto a ser considerado, sobretudo, pelos que atuam nas interfaces educomunicativas.

3

O nosso tema recorrente envolvendo a temporalidade entre os ecossistemas comunicacionais, educacionais, e das próprias relações societárias, vem ocupando alguns autores. Dentre eles, Hartmut Rosa (2013) entende as mudanças que cifram a nossa quadra histórica a partir de três indicadores principais: a rapidez dos sistemas e processos tecnológicos; a celeridade das mudanças sociais; a dinamização nos ritmos de vida.

Ao combinar o encontro e a retroalimentação daqueles três elementos, Hartmut Rosa formula a ideia de que as relações sociais e interpessoais tenderiam a se fragilizar, haja vista que a aceleração traduzida em aumento da velocidade e alienação temporal, contribuiria para o isolamento das pessoas, constrangidas, agora, a viverem cada um para si e seu pequeno círculo de afetos, encarando o imediatismo das horas como realidade inescapável. E retoma a ideia do citado Hermann Lübbe (1998) acerca do gegenwartsschrumpfung, formulando-a em termo de uma contração do presente, ou, conforme a tradução inglesa, shrinking of the present (2013, p. 44): aquele fragmento de tempo no qual os traços do passado são obnubilados e o futuro enformado como presente. Tal assertiva, ademais, é ampliada na análise de Franco Berardi (2019), para quem já não percebemos mais o futuro como horizonte de esperanças, cronotopo capaz de infundir a idéia de que lá-pode-ser-melhor, ficando o indivíduo um tanto relegado, paradoxalmente, à solidão, ao desenraizamento – a despeito da possível conectividade digital, do espectro globalizador, do conforto permitido pelos acessos on-line.

Do parágrafo acima depreende-se que os processos de aceleração e transitoriedade, conquanto estejam associados historicamente aos desdobramentos do modo de produção capitalista – fenômeno bastante discutido por Marx e Engels nas análises que fizeram do industrialismo inglês do século XIX, apontando que toda solidez se desmanchava no ar –, ganharam, na contemporaneidade, a força vetorial da velocidade intensificada. Existe incompatibilidade entre os substantivos estável/duradouro e a rapidez requisitada pela tardo-modernidade com a sua super oferta de bens, serviços, mercadorias, gêneros e tipos de produtos, assim como do acesso a crédito e estímulo ao consumo. Noutros termos, há certa equipolência entre o revolucionar permanente, as inovações tecnológicas, as formas de apreensão do tempo, o modo como se apreende/aprende as coisas da vida, as maneiras de as pessoas serem e estarem no mundo. Respeitados os estratos de classes, econômicos, culturais, de sociabilidades etc., é neste cenário que os sujeitos definem valores, participam do debate público, entram no jogo discursivo “ativam processos comunicacionais, singularizam mecanismos de integração na dinâmica social” (CITELLI, 2021, p. 18). Por evidente, os/as professores/as, como verificado na análise das figuras postas em páginas anteriores, assim como as instituições tradicionais, são atravessadas pelos arranjos entre os mediadores tecno-comunicativos e os movimentos de aceleração social do tempo, o que torna, segundo estamos procurando mostrar, um desafio importante a ser tratado no âmbito da educação formal.

Haveria ingenuidade, porém, em apenas reconhecer que a velocidade ganhou lugar destacado na vida em curso, minimizando o fato de entre os seus propulsores estarem os dispositivos tecno-tecnológicos, especialmente quando afeitos ao universo digital, ancorados nas plataformas empresariais oligopolizadas. Isto é: o vetor dromológico, quando remetido ao complexo industrial-informático, incide nas formas como o tempo é percebido pelos sujeitos e na relação deles com a “colmeia conectada” (ZUBOFF, 2019, p. 567). Sinteticamente: o empreendimento estruturado ao redor de um pequeno grupo de companhias erigidas sob o epíteto de Big Techs esclarece o poder instrumentário de afetar, também, a consciência temporal dos usuários. Entende-se que deixe de provocar estranheza mergulharmos no referido gegenwartsschrumpfung, um paradoxal exemplo de instantâneo-permanente. Ou, de outro modo, o átimo (e seus assemelhados) ganhou o estatuto de continuidade e passamos a estar dentro dele, naturalizando o fato de que o transitório seja reconhecido enquanto estrutura duradoura. Tal identificação do espaço ocupado pela celeridade temporal registra forte ancoragem nos vínculos estabelecidos entre os indivíduos e as redes digitais, na presteza que move o trânsito de assunto a outro, na efemeridade posta em continuum, na certeza de ter o mundo na ponta dos dedos, tudo em frações de segundos e conexões incessantes.

Compor-se-ia, aqui, uma dinâmica (para a qual as Big Techs desempenham papel importante) cujo leque de abrangência e influência alcançaria os modos como os indivíduos localizam-se diante dos ritmos temporais. Vale dizer, a torrente de informações, a estratégia operacional das redes sociais, os cliques sobre cliques, as andanças frenéticas pelos videojogos, os saltos de memes a memes etc., fazem do instantâneo-permanente uma espécie de indicador temporal a ser vivenciado pelos que vagueiam – como os passeantes benjaminianos, obviamente sem Paris – por estradas e avenidas digitais que pedem agilidade nos acessos, prontidão nas respostas, presteza nas viagens.

Dedicada a examinar este novo ecossistema comunicacional-industrial -informático, Shoshana Zuboff (2019) atribui às Big Techs a denominação de capitalistas de vigilância. Malgrado não caiba, no momento, examinar as teses da autora norte-americana, vale lembrar que o seu principal argumento reside na identificação de empresas como Google/Alfabet, Facebook/Meta, Twitter/Verizon, Microsoft, Apple e demais membros do restrito grupo das sentinelas/usufrutuários do novo capital, um ramo de negócios cujo foco dirige-se ao controle dos comportamentos.  É, nos termos dela, um poder instrumentário cuja linha de força organizacional pode ser encontrada em cinco grandes enunciados: mineração/extração de dados – para tanto, são acionados modelos matemáticos, algoritmos –; superávit comportamental – é o ativo de custo zero, pois o propósito reside em acumular informações, fotos, vídeos, padrões sociais etc., retirados, diretamente, do usuário ou usuado55 –; predição – tendo o perfil das expectativas, condutas, hábitos, inflexões ideológicas, garantido pela excesso de informações busca-se dirigir mensagens de toda ordem, supondo necessidades do sujeito que acessa as redes digitais -; composição da estrutura dos dados – o grande catálogo cujos termos são fornecidos dadivosa e gratuitamente pelo usuário/usuado às Big Techs, que organizam tudo em seus respectivos bancos de dados, assim como os subsequentes procedimentos de dataficação –; mudança comportamental – o ajuste fino voltado a redefinir as miríades de atitudes, levando a termo os resultados prometidos pelas estratégias preditivas, segundo mostra Brittney Kaiser (2020) ao revelar detalhadamente como a Cambridge Analytica e o Facebook invadiram a privacidade de milhões de pessoas, compondo perfis que melhor iriam configurar ou reconfigurar expectativas, anseios, propósitos etc., dos “usuados”. Isto permitiu, inclusive, a venda dos dados sistematizados para campanhas eleitorais como as de Donald Trump, em 2017, ou mesmo o referendo do Brexit, em 2016. Desenha-se, aqui, uma nova lógica de acumulação, diferente daquela buscada, por exemplo, pelo fordismo, que consistia em obter lucros entregando determinados produtos físicos como o célebre automóvel Model T.

Assim, em direção não necessariamente afinada à do capitalismo clássico, cuja fonte nutricional de riqueza consistia, no fundamental, em usurpar força de trabalho, e ou, reter mais valia, as Big Techs, além de aprimorarem as tradicionais formas de obtenção de lucros e exploração do trabalho (a exemplo do que fazem aplicativos como Uber, Cabify, Rappi, IFood), passaram a acionar outras estratégias de ganho e poder capturando diferentes aspectos da experiência humana: colonizando dados (COULDRY and MEJIAS, 2019), construindo modelos preditivos, interferindo nos estilos de vida e comportamentos, para não alongarmos a lista deste novo projeto de acumulação do capital que vem sendo levado a termo pelos templários da vigilância.

4

As sumárias observações dos temas referentes à aceleração temporal e às Big Techs, que convergem sob inúmeros aspectos, coloca-nos diante das instigações provenientes da repentina introdução do ensino remoto ou híbrido na educação formal brasileira, em decorrência do coronavírus. É bom não perder de vista o fato de que softwares, programas e aplicativos utilizados para dar sequência às atividades escolares foram (ou continuam sendo), em boa monta, provisionados por companhias como Google, Microsoft, Cisco e similares. Isto é: dos aparatos voltados às aulas nas modalidades acima consignadas fazem parte inúmeros produtos gerados no interior do poder instrumentário e que vem recebendo reflexão crítica de autores como a referida Zuboff (2019), Morozov (2019; 2013), O' Neil (2020).

O que se esclarece, portanto, é a maciça presença do organismo empresarial-tecnológico composto pelas plataformas oligopolizadas56– e, consequentemente, de um modus operandi alinhado às dinâmicas da velocidade –, como fornecedores de dispositivos que circulam pelas redes de ensino. Aqui não há espaço para examinar as operações econômico-comerciais que vinculam vendedores e compradores dos projetos de “modernização escolar”, “implantação do ensino emergencial” etc., muitas delas eivadas de vícios e malversação quando entra em cena o poder público. Cabe-nos chamar atenção para os significados que ensejam a internalização de pacotes informacionais com pouca ou nenhuma participação de docentes e discentes, a não ser no tangente aos ajustes didático-pedagógicos afeitos às atividades programadas.

Em síntese, integradas as cinco figuras que analisamos, assim como outras expostas neste relatório, é possível registrar um quadro aproximado acerca dos desafios que se apresentaram/apresentam à educação escolar, haja vista o ingresso, em maior escala, dos expedientes comunicacionais-digitais e sua força acelerativa no contexto do ensino remoto.  Ademais, as ponderações que fizemos acerca dos circuitos temporais e os seus vínculos com a indústria informacional sugerem que há necessidade de as escolas repensarem as suas dimensões teórico-práticas ao incluírem os mediadores tecnológicos voltados ao mister educativo, mesmo quando as circunstâncias benfazejas tenham empurrado para as calendas o coronavírus.

Considerações finais

Ao longo das nossas reflexões buscou-se mostrar que a entrada dos recursos digitais nas salas de aula, em maior monta como decorrência da crise produzida pelo SARS-COV-2, e que no seu bojo a necessidade de ativar o ensino remoto ou híbrido, vem acompanhada de lógicas subjacentes ao “estado algorítmico” (MOROZOV, 2019, p. 33), dentre elas os processos de predição, hiperconexão/platamorfização e temporalidade socialmente acelerada.

Por esta via – e não descurando dos ganhos trazidos pelas inovações técnicas que permitem, entre outras coisas, levar a termo a própria modalidade de ensino à distância – é imperioso reconhecer o fato de a arquitetura e a utilização dos softwares, aplicativos e programas disponibilizados para as aulas remotas impactarem, em maior ou menor grau, nas atitudes e expectativas pessoais e profissionais dos/das docentes. Foi possível verificar, através das figuras examinadas, como a percepção do tempo não se afasta dos mecanismos de dessincronização nos quais o desejo de ir mais devagar – dos/das docentes – entra em choque com os pedidos do sistema – no caso, escolar – visando a intensificar a velocidade – ritmada pelo acionamento dos recursos remotos e dispositivos tecno-comunicacionais. O que não deixa de embutir uma curiosa contradição:

(...) os indivíduos nas sociedades modernas se sentem moral e eticamente “livres” num grau sem precedentes: ninguém lhes diz o que devem fazer, no que acreditar, como viver, pensar ou amar, nem onde ou com quem viver. Ora, como isso é possível? Como é possível ser completamente livre e, ainda assim, excessivamente coordenado, regulado e sincronizado, e com intensidades inéditas nos dois casos? Enquanto os indivíduos se sentem plenamente livres, eles também se sentem totalmente dominados por uma lista sempre crescente e excessiva de demandas sociais. (ROSA, 2022, p. 108-109).

Ter este quadro em mira, assim como voltar-se para o estado real das escolas de ensino básico no Brasil, marcadas por desigualdades e precariedades de infraestrutura e desvalorização dos profissionais educadores (aliás, vítimas de crescente violência, como as ocorridas no mês de novembro de 2022 em Ipaussu, SP, com docentes esfaqueados ou Aracruz, ES, com duas professoras mortas), talvez contribua para o desenvolvimento de programas no âmbito da educação midiática/educomunicação/comunicação e educação, que possam mais bem discutir os sentidos, alcances, implicações do ensino remoto – e do uso dos dispositivos tecnológicos em sala de aula.

Notas

39-

Alguns dados e reflexões constantes desta seção foram apresentados e discutidos por Adilson Citelli no XVII IBERCOM – Congresso Ibero-Americano de Comunicação/ASSIBERCOM – Associação Ibero-Americana de Investigadores de Comunicação. Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP)/Portugal. Outubro de 2022.
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40-

A íntegra do documento pode ser lida na versão italiana aqui. Junto com a glorificação da velocidade, das máquinas, do industrialismo, seguiram-se proposições belicistas, misóginas (“il disprezzo della donna”, do “femminismo”) e estéticas que ajudaram a compor o ideário fascista – do qual Marinetti foi adepto por largo período. Acesso: 5 set. 2022.
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41-

Trecho de carta dirigida ao amigo Franciso Escobar, em 1908, e publicada na Gazeta do Rio Pardo. Aqui. Acesso: 8 set. 2022.
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42-

Aqui não cabe discussão amiúde sobre a “existência” do tempo, ao menos conforme o conceito vem sendo formulado pela física quântica e divulgado, dentre outros, por Carlo Rovelli (2022; 2018).
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43-

O termo é utilizado pelo filósofo alemão Hermann Lübbe (1998), podendo ser traduzido por encolhimento/encurtamento/contração do presente.
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44-

Tal formulação aparece desenvolvida em ao menos dois textos de Walter Benjamin: Experiência e pobreza e O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Ambos presentes em “Magia e técnica, arte e política” (1987).  Benjamin opera com dois termos em alemão, erlebnisen (elementos episódicos da experiência) e erfahrungen (experiências que deixam marcas em nossas vidas). As versões correntes em português costumam traduzir erlebnisen por vivência e erfahrungen por experiência, opções aqui mantidas.
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45-

Empresas cujos negócios estão ligados às tecnologias digitais. E que acionam dispositivos como inteligência artificial, algoritmos e bots. O propósito último de tais procedimentos consiste em extrair dados e predizer comportamentos dos usuários. Neste rol, cabem companhias que atuam nas chamadas economias abertas (a exemplo das norte-americanas) ou naquelas controladas ou com determinante presença do estado, caso da China. Seguem as seis maiores corporações do espectro, conforme a ordem do valor de mercado e as inserimos em quatro setores (que, na prática, podem ser cruzados), a partir de tabela composta pela “The world´s 100 most valuable brands in 2021”: Consumer goods & retail (Amazon: US$ 683,9 bilhões); Tecnology (Apple: US$ 612,0 bilhões); Media & entertainment (Google: US$ 458,0 bilhões; Tencent: R$ 240,9 bilhões; Facebook: US$ 226,7 bilhões); Business solutions & tech providers (Microsoft: US$ 410,3 bilhões). A chinesa Tencent, conquanto registre sede na cidade de Shennzen, uma espécie de Vale do Silício do Império do Meio, foi fundada no paraíso fiscal das ilhas Cayman. Entre as dez marcas que mais cresceram, e destacando o nosso foco de interesse, no período 2020-2021, estão a TikTok, 2º lugar e aumento de 158%; e Instagram, 6º lugar e 100%. Os dados estão aqui. Acesso: 10 jul. 2022. Para complementar estas informações, em quadro mais amplo e atualizado em 2022, ver aqui. Acesso: 19 fev. 2023.
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46-

A filósofa alemã entende que os atos de vontade são reivindicações ao tempo futuro (a memória é o envio ao passado). O poder da vontade possui o condão de transformar a previsão em fato (ou, propriamente, a efetivação do ato).
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47-

Ver, ainda: Tema VII “Escola, pandemia e questões temporais II”, seção: “Escola, questões temporais e estresse docente em contexto pandêmico”.
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48-

O termo aparece no sentido de uma revelação, aquilo com impacto direto e transformador na vida das pessoas e do próprio corpo social. O acontecimento fratura o que se estabiliza e se naturaliza. Para Slavoj Žižek, (2017), o acontecimento gera mudanças profundas nas crenças religiosas, inflexões políticas, sociabilidades, afetividades, comportamentos etc., dos sujeitos.
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49-

Fisicamente, a aceleração diz respeito ao aumento ou diminuição da velocidade na passagem do tempo. A aceleração que nos circunda finge inexistir o efeito negativo (o movimento retardado, a desaceleração) e segue apenas uma rota: a do incremento da vertigem.
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50-

O WhatsApp, apesar dos seuslimites para efeito de videoconferência, pode ser operativo através daschamadas de voz e vídeo em grupos compostos por oito pessoas. No ano querealizamos parte da nossa investigação, em 2020, o aplicativo foi atualizadomelhorando a sua funcionalidade.
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51-

O fato de excluirmos os fins de semana, não significa desconhecer que, em boa medida, o labor dos/das educadores/as segue pelos sete dias da semana. Diferentemente de algumas outras ocupações, o mister docente não termina quando “encerra o expediente”. Seja no que tange à autoformação seja nas tarefas que incluem preparação de aulas, correção de provas, e, no caso do ensino remoto, a organização de materiais cuja confecção requisita expertise e horas adicionais de trabalho.
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52-

Conforme se pode verificar na figura 12, quando foi perguntado ao/à docente sobre os recursos mais utilizados para efetivar o ensino durante a pandemia, 93,1% apontaram o celular, vindo em segundo o computador/laptop com 92,2%. Ver: Tema III. Infraestrutura do espaço doméstico.
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53-

Acerca dos ciclos de aceleração faremos algumas observações abaixo, a partir da obra de Hartmut Rosa (2013).
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54-

Como largamente esclarecido em várias pesquisas feitas ao longo da pandemia da Covid-19, inclusive na nossa, os celulares, em suas diferentes versões, foram os meios mais acionados para concretizar os propósitos do ensino remoto e modalidades híbridas na educação básica. Disponível aqui. Acesso: 19 fev. 2022.
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55-

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em 12/09/2021, Ronaldo Lemos considera que é preciso abandonar o sintagma “usuário da internet”. E, no lugar dela, adicionar um termo mais adequado: “usuado da internet”. A expressão esclarece melhor o tipo de vínculo que as tecnologias criaram com os sujeitos: “(...) precisamos de uma palavra nova, talvez um neologismo em inglês como “usered”, mistura de “user” com “used”. Ou, em português, “usuado”, para se referir a quem usa, mas também é usado (...) Isso porque, no mundo de hoje, em que a tecnologia, sensores e câmeras estão em toda parte coletando dados, é muito mais fácil ser utilizado do que utilizar.”. Disponível aqui. Acesso:  8 jun. 2022.
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56-

Os/as docentes que participaram da nossa pesquisa e acionaram o ensino remoto ou híbrido utilizaram – conforme pode ser acompanhado em outros figuras analisadas ao longo deste relatório – ou continuam a fazê-lo, dispositivos como o Teams (originalmente uma plataforma empresarial, em muitos casos adaptada para os propósitos da educação formal), da Microsoft; Google Meet –  parte de um pacote voltado, inicialmente, ao mercado corporativo, chamado Workspace (antigo G Suíte) –, e recorrente na montagem de videoconferências e mesmo para aulas à distância; Zoom (que possui histórico complicado, haja vista problemas envolvendo segurança cibernética e privacidade. Em decorrência disto, as escolas de Nova York, em 2020, foram proibidas de utilizar o Zoom); Moodle; BlackBoard; Skype etc.
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Referências:

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TEMA VII

ESCOLA PANDEMIA E QUESTÕES TEMPORAIS II

Escola, questões temporais e estresse docente em contextos pandêmicos

Dados e reflexões deste tópico:
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Introdução

A descrição e as análises que serão realizadas nesta seção estão voltadas às últimas quatro questões da pesquisa. O objetivo é refletir a respeito das pressões exercidas sobre estes/as profissionais no contexto pandêmico, considerando a necessidade de se trabalhar com novos dispositivos de aprendizagem, do tempo disponível para a formação e para a preparação das aulas, assim como a influência direta de tais variáveis na jornada de trabalho de professores e professoras.

As discussões partem de autores/as que já desenvolvem estudos,  ao longo das últimas décadas, sobre  o  ritmo estressante característico da atividade docente e dos impactos do fenômeno da aceleração social na saúde dos/as educadores/as. Na mesma perspectiva, também serão recuperadas ideias acerca do modelo neoliberal predominante nas economias contemporâneas e seus efeitos sociais, com o estímulo à  competição meritocrática e à disseminação de um discurso privatista, que buscam valorizar o individualismo em detrimento à noção de coletividade e, por consequência, estimulam a desintegração de direitos adquiridos, assim como ampliam as desigualdades.

O texto ainda propõe reflexão que associa a precarização da vida, em suas mais variadas dimensões, à ascensão de um modelo de interação e compartilhamento de experiências humanas mediadas pelas telas. Dentre as questões que serão tratadas tendo em vista tal entendimento estão os dispositivos móveis de comunicação, as Big Techs, os algoritmos e as novas formas de aprendizagem, entre outras.

Desenvolvimento

A precarização do trabalho e seus reflexos na saúde dos/das profissionais de educação, afetada por componentes como as longas jornadas, a escassez de recursos, e pressões por performance e desempenho, ganharam características particulares a partir da pandemia de Covid-19. Sem planejamento prévio, condições mínimas de infraestrutura, além de formação adequada, professores/as e alunos/as improvisaram salas de aula em seus ambientes domiciliares.

Parte expressiva da comunidade escolar sequer acessava a internet, com a grande maioria dos educadores e das educadoras tendo que fazer algum tipo de investimento, por mínimo que fosse57, com a compra de equipamentos, como laptop, smartphone e pacote de internet.58 Entre os educandos e as educandas, as dificuldades eram incontáveis, indo do acesso reduzido59, especialmente se tomada como referência a realidade dos/as matriculados/as em escolas públicas; passando pela disponibilidade parcial de um dispositivo de comunicação – muitas vezes restrita ao celular que precisava ser compartilhado com outros moradores e moradoras da casa, como irmãos, pais e responsáveis –; alcançando a ausência de adequado ambiente doméstico para acompanhar as aulas sem maiores prejuízos ao processo de ensino-aprendizagem, entre tantos outros fatores.

O cenário de esgotamento já enfrentado pelos professores e pelas professoras por conta de suas atividades cotidianas, que, por si, já eram desgastantes, passava a ser tensionado por novas, desconhecidas e inesperadas experiências, tão ou ainda mais estressantes, já que vinham acompanhadas pela sobrecarga comum a todas as pessoas, considerando o contexto pandêmico: o isolamento social, o uso de itens de proteção, a espera por vacinas, as quase 700 mil mortes por Covid-19, os reflexos econômicos etc.

No trabalho pioneiro e anterior à crise sanitária, que discutiu o estresse docente na perspectiva da aceleração social, Falcão (2017) recuperou autores e autoras que refletem sobre o cotidiano de docentes, marcado por jornadas de trabalho que começam muito antes do início das aulas e terminam bem depois do sinal que anuncia o fim do último período. Divididos/as entre atividades como preparação de aulas e tarefas, deslocamentos entre a casa e a escola (muitas vezes, para mais de uma unidade de ensino), reuniões pedagógicas, exposição de conteúdo didático, interação com alunos e alunas, negociações de conflitos, correção de trabalhos e provas, e atualização de diário de classe, estes/as profissionais atravessavam e seguem atravessando fins de semana e feriados com cargas cognitivas e musculares que, segundo Nunes Sobrinho (2012), levam ao estresse ocupacional da categoria.

Dados levantados na pesquisa anterior do MECOM, de 2019, reforçam essa percepção. Metade dos/as educadores/as que preencheu o questionário declarou exercer suas atividades em sala de aula em dois períodos – manhã e tarde, tarde e noite, manhã e noite. Outros 17% encaravam jornada tripla.

Em outra questão, que tratava exclusivamente da carga horária, 36% dos/as participantes assinalaram a opção 40 horas semanais e cerca de um quarto (26%) admitiu superar esse limite. Além disso, um contingente expressivo destes/as respondentes acrescentou que se dividia entre duas (50,1%) e três (15,9%) unidades de ensino ao longo do dia, o que naturalmente implica, entre outras coisas, deslocamentos, não raro, em condições desfavoráveis – carregando material de aula, longas distâncias, transporte público de péssima qualidade, trânsito etc.

Outro aspecto a ser considerado é o fato de que quase um terço da amostra declarou que o magistério representa apenas parte das suas atividades profissionais diárias. Ainda que não houvesse uma questão diretamente voltada ao tema, os diálogos que os/as pesquisadores/as do MECOM mantiveram60 com os/as educadores/as sugeriam a existência de outros compromissos laborais.

Porém, em rodas de conversa ou mesmo nos diálogos informais individualizados, foi possível saber que muitos sujeitos de pesquisa alocados junto aos 33,2% desenvolvem outros afazeres remunerados. A ideia básica é a de complementar renda, até porque no citado segmento existe importante presença dos professores e professoras eventuais ou substitutos, sem relação trabalhista estável, com carga horária definida, vivendo, consequentemente, a precariedade de uma situação que tanto se traduz em oscilações de salário – per si baixo, mesmo entre docentes efetivos, com carreira definida e amparada nas garantias funcionais – como na insegurança provocada pela incerteza do amanhã. Acumulam-se, para eles/elas, perguntas sem respostas: o/a titular da disciplina faltará?; a prefeitura ou o estado abrirão concurso para efetivação?; haverá aula para substituição na escola no próximo semestre? (FALCÃO e ANDRADE, 2021, p. 36)

Durante o período de isolamento, que teve o momento mais severo entre março e dezembro de 2020, mas se estendeu ao menos de forma parcial por 2021, as práticas que faziam parte do dia a dia da educação formal sofreram alterações. Para ficarmos no mínimo, os trajetos realizados até as escolas e os encontros físicos foram suspensos. Por consequência, as aulas já não podiam acontecer nos espaços coletivos projetados para atender ao modelo universal de educação até aquele momento em funcionamento. O quadro negro, mesa e cadeiras, na melhor das hipóteses, foram substituídos por ambientes virtuais, acessados por intermédio de tecnologias de comunicação, que não foram projetadas para atender processos de ensino-aprendizagem. Inicialmente pouco familiarizados/as com tais recursos, assim como a maior parte da força produtiva do país, docentes incorporaram às suas rotinas recursos digitais, como os aplicativos de videoconferência, para restabelecer o mínimo contato repentinamente perdido, mesmo que com uma fração reduzida dos/as alunos/as.

Poucos/as docentes lograram melhor sorte, como argumentamos durante esse relatório, graças às formações oferecidas pelas escolas (quando isso aconteceu); Outra parte, por intermédio de cursos on-line contratados por iniciativa própria; houve ainda aqueles que recorreram aos tutoriais e dicas de internet, entre outros artifícios utilizados pelos/as educadores/as para reduzir o distanciamento, o sofrimento e os prejuízos imensuráveis ao aprendizado de crianças e adolescentes durante este período.   Considerando este cenário, uma das questões da pesquisa aplicada pelo MECOM buscava verificar que tipo de sensação, de sentimento a necessidade de trabalhar com novos dispositivos de aprendizagem (plataformas, sites, aplicativos, softwares, entre outros) despertava nos professores. Os/as respondentes podiam assinalar mais de uma alternativa das dez que tinham à disposição.61

A figura 29 aponta as cinco que mais se destacaram, com a afirmativa de que tais aparatos representam um “estímulo para a utilização de novas estratégias de aula” (58,2%) despontando como favorita entre os quatrocentos e quarenta e cinco profissionais que assinalaram ao menos uma das opções. Vale lembrar, ademais, que, para além de um recurso, entre outros, que o mestre poderia lançar mão para elaborar a sua aula, tais dispositivos representaram algumas das poucas possibilidades, conquanto pudessem ser precárias, de contato e interação entre a comunidade escolar – docentes, discentes, administração, familiares – no período pandêmico. Dito de outra forma, os educadores não tinham muita escolha quanto à participação em cursos e formações para capacitação, por exemplo, sobre o Google Classroom. Furtar-se à experiência poderia reduzir a zero as chances, que já não eram muito grandes, de tornar possível o momento da “aula”. O/A pesquisado/a poderia responder a mais de uma alternativa.

Figura 29 – A necessidade de trabalhar com novos dispositivos de aprendizagem (plataformas, sites, aplicativos, softwares, entre outros) provoca (%):
Sentimento de despreparo tecnológico
32,4
Ansiedade
43,1
Cansaço virtual
43,1
Esgotamento/ estresse
44,9
Estímulo para utilizar novas estratégias de aula
58,2
Fonte: MECOM (2023)

As demais respostas mais indicadas reforçam a hipótese sobre a intensificação do desgaste físico e emocional de professoras e professores frente às novas pressões, que exigiam adaptação à realidade imediata, com a necessidade de assimilação rápida de tecnologias até bem pouco tempo desconhecidas, conhecida de forma superficial e/ou utilizadas para outras finalidades, isto é, não pedagógicas. Todas com percentual próximo à metade da amostra, a seleção das assertivas “esgotamentos/estresses” (44,9%), “cansaço visual” (43,1%) e “ansiedade” (43,1%) é indicativo de que professoras e professores foram submetidos a forte sofrimento enquanto tentavam assimilar as novas linguagens e rearranjar o ritmo da vida, com o espaço e as experiências privadas, do lazer e entretenimento, das atividades domésticas, sendo ocupados pelas responsabilidades do trabalho.

Outro indício que dá sustentação a essa perspectiva se revela na análise em detalhe dos dados obtidos nesta questão. É possível constatar que 76,8% das pessoas que escolheram “estímulo para a utilização de novas estratégias de aula” também indicaram uma ou mais opções que, de alguma forma, colocam em risco a saúde física e mental destes profissionais.

A tendência se manteve quando a mesma análise foi feita com as alternativas “entusiasmo” e “melhor aproveitamento do tempo”. Ao todo, 76,8% daqueles/as que escolheram a primeira e 79,3% dos que preferiram a segunda, portanto, proporções próximas a quatro quintos de todos/as os/as participantes selecionaram adicionalmente alguma variável associada ao estresse e sofrimento docente. Vale destacar, por fim, que menos de um terço dos respondentes optou por: entusiasmo (27%) e melhor aproveitamento do tempo (24%).

Os dados sugerem que mesmo quando os educadores atribuem sentido positivo à necessidade de trabalhar com novos dispositivos de aprendizagem, não desconsideram contrapartidas ou aspectos negativos desta experiência. Diante dos indicadores, podemos inferir que, em geral, o processo foi doloroso, considerando não só as dificuldades técnicas, mas também questões como as adaptações nem sempre efetivas das práticas pedagógicas, as sobreposições de obrigações, responsabilidades e atividades – tanto as profissionais quanto as privadas –, o acúmulo de horas on-line por conta do esgarçamento das limitações temporais e as pressões por comprometimento e resultados direcionadas pelas metas de avaliação definidas pela gestão pedagógica.62

Quase uma década antes do início da pandemia, em 2013, Kenski apontava para um contexto no qual o profissional de educação era forçado a estar sempre em movimento, com um leque amplo de responsabilidades, de maneira que o momento da aula representava apenas uma fração entre suas múltiplas atividades diárias. Já naquela época, em seu “Tecnologias e tempo docente”, a autora sinalizava que a mediação dos processos educativos pelas tecnologias era acompanhada pelos efeitos da aceleração social e, por consequência, de suas mazelas. A crescente influência dos dispositivos comunicacionais e suas linguagens na escola, o temor experimentado pelo educador de ser rotulado como ultrapassado, inútil e obsoleto, além da busca incessante pela atualização, como se o conhecimento humano pudesse obedecer ao ritmo do sistema operacional dos smartphones e seus upgrades regulares, que resultam em frustração e sensação de fracasso, diante da inesgotável necessidade de lançar mão de novos recursos e funcionalidades, para dar conta desse tempo no qual tudo é transitório e cada vez mais veloz. Nas palavras de Kenski,

a urgência, como princípio dominante do tempo atual, nos faz eternos devedores. Seres incompletos. A corrida em busca do tempo perdido prevalece em nossa vida e orienta nossas escolhas. Redefine nossas relações com as demais pessoas e com o trabalho. Mediados pelas mais inovadoras tecnologias, somos reféns da urgência e sentimo-nos intimidados pela ameaça concreta de obsolescência de nossas práticas. Não podemos perder um tempo que nem sabemos mais onde se encontra: no espaço, no futuro, no passado ou no presente que se transforma veloz a todo instante. (2013, p.34).

Os professores lidavam com condições adversas de trabalho quando teve início a pandemia de Covid-19. Este movimento nos autoriza a postular que, com o ensino remoto e todas suas implicações, acentuaram-se ainda mais tais condições. O isolamento e a consolidação de um modelo de interação corporativa e social sem limites entre espaços e tempos, com as diferentes dimensões da vida sendo vivenciadas no mesmo ambiente, muitas delas simultaneamente, em certas situações, com múltiplas telas, outras apenas com inúmeras guias, e, em geral, de forma contínua.

Após o estranhamento característico do primeiro contato, à medida em que os educadores foram se familiarizando com as tecnologias, passaram a buscar caminhos para tornar seus dias mais produtivos. As aulas síncronas de uma formação, por exemplo, poderiam ser acompanhadas com a câmera fechada para executar uma ou inúmeras outras tarefas ao mesmo tempo: corrigir prova, preparar aula, revisar texto, realizar alguma atividade burocrática, como lançar notas; lavar, passar, dobrar e guardar roupa; fazer uma refeição, lavar, enxugar e guardar a louça; varrer a casa; participar de reunião; interagir com outras pessoas por aplicativo de mensagem; marcar uma consulta médica; passear com o cachorro; fazer compras; ajudar os filhos com alguma questão doméstica, com o dever de casa, com sua aula on-line; fazer um deslocamento de carro ou transporte público entre lugares, como a unidade de ensino onde dá aula e a casa.

Os atalhos criados para que fosse possível dar conta dos compromissos acumulados, dentre os quais poderíamos mencionar, ainda, a naturalização do uso de recursos disponibilizados para acelerar a velocidade de conteúdos produzidos em formato de áudio e vídeo, acabam por fragmentar as experiências e reduzir a assimilação de informações. Mais do que isso, colaboram para o sentimento de esgotamento entre professoras e professores, sendo obrigados a lidar com uma jornada de trabalho muito extenuante.63

Figura 30 – A afirmativa “Minha jornada de trabalho é extenuante” lhe parece (%)
Fonte: MECOM (2023)

O conceito de eficiência perpassa as diversas dimensões da vida social. Aproveitar melhor o tempo, aumentar a produtividade e diminuir distrações são expressões suscitadas no interior da sociedade como sinônimo positivo de experiência – seja profissional, seja no âmbito pessoal.

Essas assertivas não são obra do acaso ou resultado da sistêmica expansão da “lógica de mercado” na vida social. Eficiência é, em diversos níveis, resultante de um processo histórico no qual o neoliberalismo passou a ocupar decisivamente o campo das produções simbólicas e, sobretudo, da apreensão da realidade (DARDOT e LAVAL, 2016).

“Render o máximo possível” e “potencializar o tempo” não conjugam apenas necessidades econômicas, unilaterais, para que trabalhadores e trabalhadoras desempenhem melhor suas atribuições laborais. Trata-se de uma nova ordem simbólica internalizada pelos sujeitos no cotidiano e, consequentemente, materializada em comportamentos marcados por desregulamentações, intolerância à pausa, ao silêncio e à reflexividade, bem como impaciência em relação às instituições e aos processos que durem mais do que cento e quarenta caracteres.

Pedir um Uber pela “facilidade”, rechaçando os valores abusivos de taxis comuns, buscar um Airbnb em oposição à inflação das redes hoteleiras, “ser contra a CLT” (Consolidação das Leis Trabalho no Brasil) para evitar impostos, por exemplo, são algumas das citações em voga no cotidiano brasileiro, articulando sentidos e práticas que são regidas pela ótica da “eficiência”. As Big Techs (MOROZOV, 2018) operam exatamente para atender o impulso de maximização da experiência, transformando qualquer relação (profissional ou pessoal) em mais barata, veloz e personalizada, conforme tratado em maiores detalhes no tema VI deste relatório. Assim, é lugar comum que cidadãs e cidadãos internalizem práticas para não desperdiçar o tempo, ganhar vantagens econômicas (milhas, cashback, economias diversas), organizar rigorosamente a agenda para fortalecer o rendimento individual, realizando cursos e formações para sobressair no mercado.

O filme “Estou me guardando para quando o Carnaval chegar”, dirigido por Marcelo Gomes, sintetiza como o universo de desregulamentações, aceleração e desmanche de estruturas sólidas e duradouras passou a dinamizar o campo das sociabilidades, transgredindo as categorias tradicionais de trabalho. Na pequena cidade de Toritama, conhecida como a capital do jeans, no interior de Pernambuco, o documentário explora como a expressão “melhor trabalhar para mim mesmo, sem depender de patrão” encoraja operárias e operários do serviço têxtil a executarem jornadas exaustivas, sem interrupções, em busca do sentido imaginado de “liberdade”.

À procura de lucro imediato, todas as organizações de trabalhadores, lutas coletivas e outras formas de classe são diminuídas. “Resolvemos tudo pelo WhatsApp e não precisamos de patrão”, sintetiza a película.64 Sem nenhuma pretensão de estabelecer vínculos duradouros, o imperativo é pela produção máxima, no menor tempo possível, sem o incômodo de regulamentações: supervisor ou chefe, impostos ou taxas associadas ao emprego, desconto em folha. À época do carnaval, todo esforço acumulado durante o ano é implodido: vende-se tudo o que for possível, geladeiras, veículos e bens comprados no período, com o objetivo de financiar os dias de festas no litoral de Pernambuco.

Ora, o filme de Marcelo Gomes é uma alegoria do contexto contemporâneo no qual as tecnologias e as transformações no tecido social criaram uma nova racionalidade (DARDOT e LAVAL, 2019). Logo, as inovações do campo da tecnologia sintetizam as demandas por processos “mais eficientes” para que cidadãos possam se liberalizar dos vínculos sociais que marcaram as democracias liberais durante o século 20 (STREECK, 2018). Pouco importam iniciativas coletivas e construções simbólicas duradouras: vale, de fato, ganhar o que for possível para desfrutar o máximo possível nos tempos de festa e celebração – mesmo que isso custe começar do zero do ponto de vista econômico.

WhatsApp, Instagram, Google, Facebook, Uber, Ifood e tantas outras plataformas cumprem função essencial nessa perspectiva de culto ao prazer imediato e instantâneo, não apenas por trazer novas possibilidades comunicacionais e de serviços, mas essencialmente por sua profunda conexão com as configurações de um mundo marcado pela velocidade e destituição de relações duradouras. Diante da multiplicidade de opções, não há outra alternativa senão acelerar (LIPOVETSKY, 2011). Dos trabalhadores de Toritama aos motoristas de aplicativos, as tecnologias traduzem o impulso pelo efêmero, pela busca constante do interesse individual65 – caracterizado pela expressão “o que eu ganho com isso”? Ou ainda:

Quando se trata do mundo subjetivo, o fato de parâmetros estruturais e culturais decisivos da esfera social mudarem em velocidades maiores do que o ritmo da transição geracional – ou seja, a sociedade não permanece mais estável nem mesmo ao longo da vida de um indivíduo – tem consequências profundas para os padrões dominantes de identidade e de subjetividade. Como argumentei em outro trabalho, o sentido moderno “clássico” da identidade, baseado num “plano de vida” individual e numa autodefinição enraizada em “avaliações fortes” capazes de orientar o curso de uma vida, tende a ser substituído por novas formas flexíveis de “identidade situacional”, que aceita a temporalidade de todas as autodefinições e parâmetros identitários, não tenta seguir mais um plano de vida, mas procede “surfando as ondas”: sempre que aparece uma nova oportunidade atraente, a pessoa deve estar preparada para aproveitá-la. (ROSA, 2022, p. 64)

O mercado das tecnologias digitais opera para criar, a cada dia, uma nova oportunidade. “Inovação”, interação e a customização das experiências on-line acabam por provocar, como assevera Rosa, uma onda para que os usuários da internet surfem a cada segundo. Esta discussão pode ser acompanhada, também, no tema VI deste relatório.

Um dos vetores centrais da dimensão algorítmica, onde grande parte do ensino remoto foi estabelecido durante a pandemia, é a personalização extrema da experiência comunicativa. Sob a égide da potencialização do consumo, timeline das redes sociais, stories e os conteúdos que são apresentados desdobram de um processo de mapeamento de comportamentos e práticas digitais, consumo, identidades e preferências. São fluxos que desaguam numa radical exposição de imagens, sons, vídeos e informações dedicadas a satisfazer pulsões individuais. Há pouca – ou nenhuma – intencionalidade dos algoritmos e das redes sociais de observar o outro: a experiência é sempre voltada ao eu.

Quando o/a docente declara ter uma jornada de trabalho extenuante (72,4%) estamos diante de um dado compatível com a rotina de profissionais pressionados/as a produzir mais e a responder, em tempo real, aos imperativos do “tempo uberizado” (ANTUNES, 2020). Tal ambiente, onde as aulas foram “lecionadas” durante o isolamento social – e mesmo no período de reabertura –, é marcado por fluxos informacionais descentralizados, ultraindividualizados e algorítmicos.

A sala de aula on-line conviveu, disputou atenção e combinou os conteúdos escolares com o TikTok, Instagram, Youtube e tantas outras aplicações em trânsito no universo digital. Extenuação, podemos inferir, significa uma reação a esse universo híbrido, de explosão de informações, combinado com a pressão por atender os estudantes – via WhatsApp e redes sociais. Tais evidências revelam o tensionamento da experiência educacional, exigindo o cruzamento desse dado de extenuação com as próprias dinâmicas internas do “trabalho docente” – este, por sua vez, pressionado pela implosão dos limites profissionais e pessoais provocados pela pandemia: durante o isolamento, cozinhar, lavar a louça e outras atribuições domésticas estiveram no mesmo compasso de preparar a aula, realizar lives e atender estudantes (em tempo real) no WhatsApp.

As relações de trabalho, assim como as dinâmicas interpessoais, passaram pelo processo radical de individualização. Daí decorre o fato de que a “uberização” (ANTUNES, 2020) entrelaça aspectos da degradação do mundo do trabalho com a internalização de uma nova racionalidade “empreendedora” que, combinadas, impulsionam a flexibilidade, aceleração e jornadas abusivas como parte de um novo ethos da produção social. Os docentes estiveram em seu limite, sobretudo no período pandêmico, pois não tinham opção a não ser conectar, responder em tempo real, observar a dinâmica de alunas(os) nas redes para preparar aulas e materiais didáticos, e outras tantas perspectivas – como lidar psicologicamente no âmbito individual com o agravamento da pandemia, as mortes e atraso na compra de vacina.

Pejotização, trabalho intermitente, infoproletariado, “professor delivery” e “frila fixo” são alguns dos conceitos que expressam como a dimensão digital implode os limites da vida pessoal e profissional, carregando novos sentidos de como os sujeitos sociais devem lidar com a pressão por desempenho, afinal “a informalidade e a flexibilidade se tornaram, então, partes inseparáveis do léxico e da pragmática da empresa corporativa global” (ANTUNES, 2020, p. 11).

Uma das premissas ventiladas – e observada no conjunto de dados da pesquisa do MECOM – é de que a necessidade de adequação ao ensino remoto, somada com a própria configuração das tecnologias que versam sobre os fluxos de desregulamentação e aceleração, contribuíram decisivamente para que a pressão por eficiência e letramento66 nas novas tecnologias fossem os imperativos centrais de educadores(as) para atender à demanda do ensino remoto. Forçados a transportar o currículo escolar às telas, o entrelaçamento com fluxos comunicacionais efêmeros e sem mediações apropriadas ao ensino remoto resultaram em rupturas sequenciais e nas próprias lógicas de ensino-aprendizagem, exigindo (muito) tempo adicional para a continuidade dos trabalhos.

Vale dizer que a configuração algorítmica das plataformas digitais é engendrada para ativar fluxos de aceleração. O principal estímulo de aplicativos como Instagram, Facebook e TikTok, por exemplo, é a busca pelo “o que vem a seguir”.  Ou seja, os usuários são condicionados a pular para o próximo conteúdo até encontrar aquilo que gera satisfação, interesse ou prazer imediato. Na prática, isso representa que tudo que exige concentração ou contradição a um interesse imediato é passível de ser 'pulado'. É nesse cenário que as temporalidades necessárias à educação passaram a ser tensionadas por novos marcadores, como a lógica de algoritmos presentes em stories e timelines e, claro, a adequação à plataformas que se converteram, repentinamente, em recursos pedagógicos, como, por exemplo, o WhatsApp.

É com essa lógica que os estudantes estão habituados a “conectar” à internet. “Pular para o próximo conteúdo mais interessante”, deixar se seguir (unfollow), acelerar um vídeo para passar mais rápido67 e outras tantas opções típicas das redes sociais expressam desafios no âmbito cultural para engajar e gerar fluxos de participação durante a pandemia. Garantir a qualidade da educação, nesse sentido, forçou docentes a se converterem em Youtubers, TikTokers, produtores de conteúdo EaD, plantonistas de dúvidas no WhatsApp etc. Adoecimento, burnout e perda de sentido da atividade escolar foram algumas resultantes desses processos de extenuação do trabalho.

Figura 31 – A afirmativa “Preciso de mais tempo para minha formação” é: (%)
Fonte: MECOM (2023)

Uma das consequências mais evidentes da pressão por eficiência, e dos processos acima descritos, é uma percepção reiterada de incompletude. Num mundo marcado por “tempo é dinheiro”, a constatação de que não é possível atingir o melhor desempenho pressiona ainda mais a atividade docente. Com inúmeras possibilidades de treinamento, formações on-line, coaching e outras ferramentas dedicadas à potencialização da eficiência, a sensação de ausência torna-se um desafio permanente aos profissionais – e mesmo aos estudantes.

O número expressivo (86%) dos respondentes que declararam necessitar de mais tempo para formação demonstra que grande parte convive com a ausência de aspectos fundamentais à atividade profissional. No contexto de pandemia, quando forçados a migrar integralmente à modalidade on-line, tal quadro agravou-se, considerando que os docentes encontraram deficiências para pensar as tecnologias enquanto recursos pedagógicos. Embora habituados a conviver e trabalhar com a internet, a transposição para o ambiente virtual revelou, de forma abrupta, que possuir celular, frequentar as redes sociais e ter significativa experiência em plataformas digitais, é substancialmente diferente de articular o currículo escolar com finalidades formativas.

Daí o fato de que, nos inúmeros relatos de docentes durante o isolamento, a principal reclamação era a falta de habilidades e competências para levar a termo os conteúdos escolares nas plataformas digitais. “Mais tempo para formação”, nesse caso, sintetiza uma demanda que ultrapassa os limites da formação, endereçando a própria crise agravada pelo fechamento repentino das escolas durante o período pandêmico.

“Falta de tempo” é expressão que sintetiza a percepção de que os dias estão mais curtos e de que não há, pelo menos na dimensão humana, capacidades suficientes para acompanhar o frenesi das redes sociais. Assim, foram importantes os depoimentos de docentes sobre a dificuldade de seguir o ritmo do ensino remoto, seja pelo acúmulo de funções no âmbito privado (professoras e professores “também eram”, simultaneamente, país atendendo aos filhos, cuidadores de idosos e, em muitos casos, responsáveis pela alimentação e manutenção da rotina durante o período de distanciamento social), seja pela explosão de tarefas on-line (subir conteúdos nos ambientes de aprendizagem, preparar aulas, comunicar através das redes sociais com os pais dos/das discentes, observar continuidades pedagógicas, avaliações e preenchimento de base dados – matrículas e chamadas).

Em consequência, é possível afirmar que a educação brasileira no período pandêmico não tem, propriamente, um balanço positivo. Pesquisas diversas sistematizaram dados sobre a evasão escolar68 e descontinuidades dos processos pedagógicos que acabaram por excluir milhões de estudantes. Os motivos são variados, combinando dados de insegurança alimentar, agravamento da crise econômica, crianças e adolescentes forçados ao trabalho para contribuir com subsistência familiar e diversos outros vetores da evasão escolar.

Em outra perspectiva, mais atinente ao trabalho do MECOM – no campo dos sentidos, mediações e comunicação – vale dizer que grande parte da fragilidade que constatamos está associada ao afastamento e desengajamento dos/das estudantes no tangente ao ensino remoto. Por falta de tempo, como demonstra a figura 31, poucos docentes conseguiram criar mecanismos de vínculos do conhecimento prévio de estudantes sobre essas plataformas. Em outros termos, ao estar conectado à internet, crianças e adolescentes compartilham sentidos e experiências sob a égide das plataformas e de seus funcionamentos internos: curtir, comentar, reagir aos conteúdos com emojis, assistir a vídeos curtos, expressar opiniões no Twitter, ouvir podcasts e música no Spotify e tantas outras possibilidades. O currículo escolar no ensino remoto, podemos dizer, não esteve atento a esse universo cultural, afastando os/as estudantes das potencialidades e melhores práticas da educação forjada para plataformas digitais. Tal premissa, evidentemente, parte da falta de suporte aos docentes, de recursos adequados e de um sistema que não garantiu as condições mínimas para que educadoras/es pudessem florescer para o seu melhor em termos pedagógicos.

Articular o currículo no ensino remoto, considerando o contexto de privações e falta de apoio, exige tempo. Tempo para compreender o funcionamento das linguagens e dos sentidos, das interpretações e usos feitos pelos/as alunos/as e, em última instância, como se aproveitar das tecnologias sociais da Educomunicação para que a mídia se converta num recurso pedagógico, garantidor de direitos e da própria cidadania.

Figura 32 – No ensino remoto, a preparação da aula demandou: (%)
Fonte: MECOM (2023)

Não é obra do acaso que 85% dos/as docentes declararam que o tempo de preparação para aulas demandou mais em relação ao ensino presencial. Ao adentrar ao ensino remoto, muitos/as se depararam com um mergulho no desconhecido e, por vezes, inexplicável ambiente das redes. Trata-se da constatação de que o ensino remoto vai além do conhecimento e preparação de ambientes virtuais de aprendizagem. Preparar uma aula no contexto da internet implica conhecer e adequar os conteúdos aos jogos de linguagem, aos fluxos de interação em rede – sensivelmente diferentes de uma sala de aula “física” – e, principalmente, da articulação de estratégias para gerar engajamento e participação dos/as estudantes. Muitas vezes, o mecanismo fundamental para que o currículo fosse levado a termo no ensino remoto consistiu na adoção de conteúdos de interesse dos/as estudantes, como memes, podcasts e outras informações oriundas do Youtube, Instagram e TikTok. Vale dizer, a potência singular da educação deveria partir do universo cultural e tangível dos/as alunos/as, mais do que a mera transposição das atividades para o Zoom e o Google Classroom.

Tal exigência por complementaridade e engajamento dos/as educandos/as exige tempo. Podemos dizer, assim, que o tempo adicional (em comparação ao ensino presencial) estava dedicado muito mais à continuidade mínima dos processos formativos do que em estratégias pedagógicas sensíveis ao universo cultural do ciberespaço. Nessa perspectiva, os/as docentes tiveram que buscar compreender as plataformas onde as aulas foram criadas – Classroom, Zoom, Google Meet, Microsoft Teams – mais do que  engendrar juntos aos/às estudantes fluxos de interação qualificada, de contextualização dos conteúdos escolares para as linguagens digitais.

Talvez, seja essa a principal contradição na análise deste dado: embora o tempo de preparação tenha sido maior em comparação ao ensino presencial, não há garantias de que tal adição foi benéfica aos/às estudantes e aos processos formativos. Pelo contrário, nossa interpretação, considerando o conjunto de dados da nossa pesquisa que versa sobre extenuação, falta de suporte, descontinuidades e ansiedade, é de que “o tempo adicional para preparação” esteve mais próximo da sobrevivência e continuidade mínima da educação no período pandêmico. Como já mencionado, encontrar as ferramentas adequadas, comprar pacotes adicionais de internet e, em última instância, telefonar ou escrever para todos os estudantes com o propósito de checar a disponibilidade para participar da aula, também foram elementos de “preparação” para que os encontros virtuais pudessem de fato acontecer. Ou seja, grande parte dos esforços esteve relacionado com o conhecimento das plataformas, adequação dos currículos para o ambiente virtual e em como conectar, dentro dos limites do razoável, os estudantes a esses processos.

Considerações finais

As quatro questões analisadas indicam que, apesar de a maioria dos participantes entender que o uso de tecnologias de comunicação pode colaborar com as estratégias de aula remotas ou híbridas, percentuais superiores a dois terços da amostra afirmaram que seria necessário mais tempo para a formação, mesmo esgotados e obrigados a lidar com jornadas de trabalho extenuantes.

Reiterando achados de Witter (2012) e Falcão (2017), segue reduzido o número de trabalhos científicos publicados que buscam discutir o estresse docente. Apesar de, na perspectiva da presente pesquisa, não ter sido realizado levantamento sistematizado em repositórios de periódicos nacionais e internacionais69, buscou-se recuperar as produções que pudessem discutir a questão no contexto de pandemia de Covid-19. Os poucos textos localizados eram, na melhor das hipóteses, apoiados em pesquisa similar à realizada pelo MECOM, com os próprios docentes respondendo a um formulário de questões.70

Em seu artigo, Falcão mencionava, como forma de atenuar e combater os efeitos da aceleração social no cotidiano dos educadores e educadoras, a necessidade de se introduzir iniciativas “antiaceleratórias e antiestressoras, não só no âmbito da formação acadêmica, mas também no que tange à criação de mecanismos diários voltados ao bem-estar emocional, físico e cognitivo do/da professor/a.” (2017, p. 44). Desde então e apesar dos efeitos da crise sanitária decorrente do coronavírus, não houve, ainda, avanços neste sentido, de maneira que as recomendações da autora seguem atuais e urgentes.

Notas

57-

Como apontado no tema III, na seção voltada à infraestrutura particular dos professores, apenas 23% dos participantes da pesquisa afirmaram que não fizeram nenhum investimento na compra de equipamentos e contratação de serviços.
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58-

Também discutido de forma detida no tema III, na sequência reflexiva sobre a infraestrutura do espaço dos professores no presente relatório.
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59-

A seção Igualdades, que é atualizada semanalmente na versão on-line da Revista Piauí, publicou, no dia 5 de dezembro de 2022, texto sobre pesquisa divulgada pelo Pnad Contínua, que organizou dados levantados, no último trimestre de 2021, a respeito de acesso à tecnologia. De acordo com o texto, neste período, “havia dois estudantes da rede privada que acessaram a internet pelo computador para cada aluno da rede pública de ensino. No ano passado, cerca de 80% dos alunos do ensino particular puderam usar a rede através de computadores; no ensino público, apenas 38% dos estudantes.” (CHAVES e BUONO, 2022).
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60-

Cabe esclarecer que a pesquisa de 2019 contou com uma amostra de 506 educadores/as e que boa parte dos questionários foi aplicada presencialmente, nas próprias unidades de ensino, quando professores/as e pesquisadores/as do MECOM, não raro, tiveram a oportunidade de interagir.
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61-

São elas: ansiedade, cansaço visual, dificuldade de administrar múltiplas vozes ao mesmo tempo, dispersão, entusiasmo, esgotamento/estresse, estímulo para utilizar novas estratégias de aula, insegurança, melhor aproveitamento do tempo e sentimento de despreparo tecnológico.
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62-

Os efeitos da pandemia ainda são objeto de estudos e aprofundamentos teóricos para desvelar a gravidade e consequências, sobretudo psicossociais, do período de isolamento. Todavia, estudos preliminares, artigos e dissertações apontam severas sequelas aos profissionais da educação que tiveram a rotina radicalmente alterada no período da pandemia. A dissertação de mestrado, “Burnout e estressores ocupacionais durante a pandemia do Covid-19: avaliação de professores da educação básica”, apresentada na Universidade Católica de Brasília pela pesquisadora, Lindinalva de Souza Silva, e a pesquisa “Saúde Mental dos Educadores 2022”, realizada pela NOVA ESCOLA em parceria com o Instituto Ame Sua Mente, mostram indicadores claros da piora do quadro de saúde de docentes em razão da pandemia. Disponível aqui e aqui. Acesso: 12 dez. 2022.
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63-

Não por acaso, como aponta a figura 30, menos de um décimo da amostra (9,4%) respondeu que julgava improcedente a afirmativa “minha jornada de trabalho é extenuante”.
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64-

O filme “Estou me guardando para quando o Carnaval chegar”, dirigido por Marcelo Gomes, está disponível aqui. Acesso: 5 mar. 2023.
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65-

Em “As revoluções do individualismo”, Luiz Marques argumenta que, com diferentes significados ao longo da história, o conceito de “individualismo” passou por duas revoluções desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A primeira, como resposta ao totalitarismo neofacista, com a valorização das liberdades e a consolidação dos direitos universais do homem. A emancipação feminista, além da crítica ao “individualismo pequeno burguês” e às “ilusões libertárias atomizadas” seriam frutos das discussões e avanços desse período. O respeito às singularidades, neste sentido, estava associado a um senso de coletividade. Já a segunda revolução do individualismo, cuja origem remete aos anos 1980 e que nos traz até aqui, é marcada pelo hiperindividualismo e tende a se desenvolver, em sentido contrário, com a revogação das conquistas sociais, o antiestatismo e o desinteresse pela noção de igualdade. Nela, o neoliberalismo é o grande aliado estratégico, com seus ideais de redução do tamanho do aparelho do estado, de exaltação do livre mercado e do privatismo. A nova ordem é pela busca de um mundo no qual o indivíduo, por meio exclusivo dos seus esforços, seja o empreendedor da sua vida, a partir da competição meritocrática, sem subordinação aos padrões sociais mais amplos, de uma classe, de um agrupamento, do coletivo. A ascensão deste modelo teve como consequência o estado crescente de anomia social, o esfacelamento do contrato de cidadania e a ameaça aos pilares da democracia, como confirma o crescimento da extrema direita em todo o mundo. (MARQUES, 2023).
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66-

A questão do letramento também é discutida no tema III deste relatório, na seção voltada ao exame da infraestrutura no espaço doméstico docente.
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67-

Estudos mostram que, diante da inesgotável quantidade de dados e informações para cumprir durante a pandemia, uma das alternativas encontradas por estudantes e professores foi “acelerar o vídeo”. Ou seja, multiplicar por 1,5 ou 2,0 a velocidade original para que o conteúdo fosse mais rápido do que a dimensão original e humana. Assim, grosso modo, uma palestra ou aula gravada com duração de 30 minutos, passava a ter 15 minutos (no modo 2x, como alcunhado nas redes). Reportagem do Correio Braziliense, “Pesquisa investiga se assistir vídeos acelerados ajuda a aprender mais” explica as possíveis consequências dessa nova prática no universo escolar. Disponível aqui. Acesso: 18 dez. 2022.
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68-

Pesquisa conjunta do UNICEF com o IPEC mostra que, no Brasil, dois milhões de crianças e adolescentes de 11 a 19 anos não estão frequentando a escola. Entre os estudantes que não frequentam a escola, 48% declararam que “precisam trabalhar”. Outros 30% declaram que não “conseguem acompanhar as atividades”. A pesquisa “Educação brasileira em 2022 – a voz de adolescentes” está disponível aqui. Acesso: 28 nov. 2022.
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69-

Sandra Falcão, por exemplo, realizou pesquisa no mês de maio de 2016 nas “bases de dados APA (Americam Psychological Association), LILACS (Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud - Biblioteca Virtual de Saúde) e SciELO (Scienific Electronic Lybrary on-line), utilizando como palavras-chave expressões relacionadas ao estresse e seu campo semântico.” (FALCÃO, 2017, p. 38).
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70-

É o caso do trabalho realizado por Gonçalves et al (2022), que se apoiou nos softwares VOSviwer e Gephi para realizar análises bibliométricas e de Troitinho et al (2021), cujo instrumento principal era um formulário do Google Forms e reuniu dados de 286 respondentes do Brasil inteiro.
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Referências:

ANTUNES, Ricardo. Trabalho intermitente e uberização do trabalho no limiar da Indústria 4.0. In: ANTUNES, Ricardo. Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0. São Paulo: Boitempo, 2020.
CITELLI, Adilson. Comunicação e educação: os desafios da aceleração social do tempo. São Paulo: Paulinas, 2017.
CHAVES, Eduardo; BUONO, Renata. Quando a internet vira privilégio. Piauí, Igualdades, 5 dez. 2022. Disponível aqui. Acesso: 11 dez. 2022.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Never-ending nightmare: The Neoliberal Assault on Democracy. London: Verso, 2019.
FALCÃO, Sandra Pereira. Aceleração temporal e estresse docente. In: CITELLI, Adilson. Comunicação e educação: os desafios da aceleração social do tempo. São Paulo: Paulinas, 2017.
FALCÃO Sandra Pereira; ANDRADE, Rogério Pelizzari. Perfil docente e práticas digitais: cenário pré-ensino remoto e desdobramentos. In: CITELLI, Adilson. Comunicação e educação: dinâmicas midiáticas e cenários escolares. Ilhéus: Editus, 2021. p. 31-44.
GONÇALVES, João Carlos; COSTA, Dayane Aparecida da; FERNANDES, Raiane Rocha; COSTA, Dalila da. Análise  bibliométrica  de  pesquisas  voltadas  aos  efeitos  da  tecnologia educacional na ansiedade e estresse dos professores durante a pandemia da covid-19. Caderno do FNDE, Ano III, v. 5, p. 1-14, jan./jul. 2022. Disponível aqui. Acesso: 18 dez. 2022.
KENSKI, Vani Moreira. Tecnologias e tempo docente. São Paulo: Papirus, 2013.
LIPOVETSKY, Gilles. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
MARQUES, Luiz. As revoluções do individualismo. A terra é redonda, 13 jan. 2023. Disponível aqui. Acesso: 14 fev. 2023.
NUNES SOBRINHO, Francisco de Paula. O stress do professor no Ensino Fundamental: o enfoque da ergonomia. In: LIPP, Marilda Emmanuel Novaes (org.) O stress do professor. Campinas, Papirus, 2012. p. 81-94.
ROSA, Harmut. Alienação e aceleração: por uma teoria crítica da temporalidade tardo-moderna. Rio de Janeiro: Vozes, 2022.
STREECK, Wolfgang. Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático. São Paulo: Boitempo, 2018.
TROITINHO, Maria de Conceição Ribeiro; SILVA, Ivonilce Brelaz; SOUSA, Maiana Maia; SANTOS, Adriana Damascena da Silva; MAXIMINO, Caio. Ansiedade, afeto negativo e estresse de docentes em atividade remota durante a pandemia de Covid-19. TES – Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 19, p. 1-20, 2021. Disponível aqui. Acesso: 18 dez. 2022.
WITTER, Geraldina Porto. Produções científicas e estresse do professor. In: LIPP, Marilda Emmanuel Novaes (org.). O stress do professor. Campinas: Papirus, 2012.

NOTA FINAL

As análises dos dados recolhidos pela nossa pesquisa e organizados em torno de sete temas e seções procuraram executar dois movimentos articulados: sistematizar em figuras e tabelas as informações obtidas junto a professores e professoras que prosseguiram em seu trabalho pedagógico durante a pandemia da Covid-19; examinar tais indicadores no propósito de entender melhor os seus significados e como se vinculam a questões envolvendo a interface comunicativa-educativa.

Nesta nota final, sintetizamos e destacamos o que está formulado detalhadamente nos textos do relatório, cujo eixo organizador e de convergência reside na indagação acerca dos problemas postos às escolas e, sobretudo, ao corpo docente, em decorrência da crise gerada pela disseminação do “vírus soberano”, para lembrar oportuna metáfora da filósofa italiana Donatella di Cesare. E, neste movimento, indagar acerca dos alcances e limites dos dispositivos comunicacionais acionados para a efetivação do ensino remoto emergencial, modalidade que permitiu, em tempos de isolamento social, dar alguma continuidade aos fazeres didático-pedagógicos.

Cabe lembrar, retomando o que foi enunciado em nossa Apresentação: os dados sobre os quais trabalhamos abrangem um período entre os finais de 2021 e meados de 2022. Trata-se, portanto, de interregno no qual a rede básica de ensino atravessou situações distintas que incluíram desde o fechamento total das escolas, passando pela hibridização dos formatos, entre aulas presenciais e à distância, até o retorno paulatino à modalidade presencial. Lê-se, ademais, que esses deslocamentos estiveram longe de ser uniformes, ao revés, irromperam de maneira distinta, em ritmos próprios, com alcances dissemelhantes, a depender das ações implementadas pelos estados e municípios, haja vista a falta de uma política nacional que organizasse e apoiasse as inúmeras realidades regionais, econômicas, socioculturais existentes no país. Afinal, o próprio Ministério da Educação, componente de um governo negacionista da pandemia, mostrou-se, ao mesmo passo, inepto para minimizar os impactos da Covid-19 junto às nossas escolas, além de estimular, através de palavras, gestos, comportamentos e atitudes que tornaram ainda mais difícil enfrentar uma situação, per si, suficientemente complexa.71

As entrevistas que colhemos evidenciam as profundas alterações que acompanharam as rotinas escolares, a atuação profissional dos/das docentes e mesmo as suas vidas cotidianas. Bastaria, para tanto, resumir algumas constatações decorrentes da súbita descontinuidade das aulas presenciais e das migrações para a modalidade remota ou híbrida.

1) O esforço dos professores e professoras no intuito de transformar as suas casas em ambientes de trabalho implicou, por exemplo, na adaptação ou reorganização de espaços que passaram a funcionar como “sala de aula”. Em muitos casos, tais espaços precisaram ser divididos entre o/a professor/a (há relatos de casais que eram profissionais educadores, ambos precisando realizar as suas tarefas, concomitantemente, no mesmo local) e os filhos e filhas (discentes do ensino básico e estando submetidos, também, às aulas remotas emergenciais).

2) A necessidade de utilizar dispositivos de comunicação digital com os quais os/as docentes nem sempre possuíam familiaridade. Tal circunstância trouxe consigo angústia, ansiedade, forçando a busca, por vias próprias, de informação e treinamento para operar com os recursos necessários ao exercício do magistério e demais atividades concernentes ao trabalho profissional educador. O apoio limitado advindo das secretarias municipais e/ou estaduais de ensino (sobretudo nos primeiros meses de fechamento das escolas) criou redes de solidariedade envolvendo gestores/as e professores/as no propósito de atender aos colegas que tinham maior dificuldade na abordagem das tecnologias voltadas ao atendimento remoto do corpo discente. Como se pode acompanhar no tema III, 41,8% dos/as pesquisados/as afirmaram não ter a escola provido recursos para viabilizar as propostas síncronas ou assíncronas on-line. E no tema V encontramos o contingente de 42,9% que afirmou não haver recebido formação inicial para trabalhar nas plataformas digitais; 59,8% disseram depender das redes solidárias para fazê-lo; 29,9% consideraram precária a formação recebida para explorar as possibilidades dos dispositivos a serem utilizados.

3) As reconfigurações dos fazeres cotidianos docentes – sobretudo frente à aceleração social do tempo –, como resultantes do avanço pandêmico, passaram a ser mediados pelas telas dos computadores, smartphones e tablets. Vale dizer, o exercício do magistério conheceu súbito rompimento das marcas temporais que acompanhavam a educação presencial. Em consequência, linguagens, ritmos e lógicas comunicacionais cifradas pela rapidez, fragmentação, reduções expressivas, adentraram rapidamente o âmbito da educação formal, trazendo consigo outras temporalidades orientadoras das interações entre docentes e discentes. Tal “destemporalização” foi, em boa medida, examinada ao longo do nosso relatório indicando haver o dia a dia dos professores e professoras sofrido impactos, inclusive, no âmbito das relações familiares: afinal, com a sala de aula dentro de casa e demandas de discentes a serem respondidas praticamente on-line, a flecha do tempo forçou rápida travessia no espaço. É o que lemos no tema VI, do qual retiramos as seguintes assertivas e percentuais: “passam mais tempo na internet do que com a família ou desfrutando de algum lazer” (69%); “o tempo de que se dispõe está sendo ocupado pelo trabalho” (75%); “o tempo está passando rápido demais” (93%). E no tema VII, mais de dois terços dos/as educadores/as (72,4%) afiançaram cumprir “jornada de trabalho extenuante”.

***********************

Se o mister docente prossegue em contexto cujas mazelas são reconhecidas, na continuidade de baixos salários, precárias condições de trabalho, desvalorização profissional, intensificação da violência nas escolas, etc., graças à crise sanitária os óbices alcançaram, ainda, maior amplitude e dimensão afetando física e emocionalmente significativa parcela dos quase 2,3 milhões de docentes da educação básica no Brasil. Em um átimo, os aproximados 46,7 milhões de discentes espalhados por 178,4 mil unidades educativas do ensino básico, precisaram receber atendimento segundo modalidades de aulas desconhecidas de importante contingente do professorado. O quadro negro, carteiras, mesas, as afetividades e relações face a face, foram substituídas por ambientes virtuais acessados por intermédio de tecnologias de comunicação e informação. Inicialmente, pouco familiarizado com tais meios, e revelando defasagens para explorar as potencialidades por eles permitidos, o corpo docente precisou incorporar ao seu labor os aparatos digitais, a exemplo dos aplicativos de videoconferência, Google Meet, Zoom, smartphones. Entende-se, portanto, segundo discutido no tema IV, que 69,9% do nosso corpus revele haver sido a adaptação para trabalhar com as plataformas um dos maiores problemas trazidos pelo ensino remoto ou híbrido.

No período pós-pandêmico, expressão aqui referida para caracterizar a plena retomada do ensino presencial, o cenário posto à frente continua preso ao que poderíamos chamar de “instante de passagem”. As respostas dos/das docentes firmadas na investigação e tratadas ao longo dos temas e seções sinalizam a existência de uma conjuntura complexa a ser enfrentada doravante. E, no intuito de fornecer alguns subsídios de nossa pesquisa para pensar as relações comunicação-educação no advir, destacamos a sequência de três grandes variáveis, cuja dinâmica articulada precisa estar no horizonte, caso queiramos firmar uma escola de qualidade em sintonia com os desafios da “sociedade digital”.

– A necessária implantação de políticas públicas que coloquem a educação, em seus diferentes níveis, como dimensão estratégica para o enfrentamento dos reptos nacionais e onde devem vicejar os processos de desenvolvimento científico e tecnológico, empregabilidade, formação cidadã, para não alongarmos a lista. Parece desnecessário lembrar o quase abandono deste assunto, sobretudo na gestão federal vigente entre 2018 e 2022. Afora o empenho de estados e municípios que buscaram responder aos incitamentos da educação formal, particularmente ao longo da pandemia, o mais guardou semelhança com o inóspito do deserto.

– O tratamento conceitual, físico e humano concernente às redes de ensino e que, segundo indicam ou sugerem os nossos entrevistados, pedem ação com presteza. A saber: maior participação nos delineamentos dos projetos político-pedagógicos das escolas; melhoria na infraestrutura material perpassando salas de aula, salas de leitura, pátios, salas de informática, etc.; valorização do/a professor/a no provimento seja de salários dignos, seja de formação continuada e permanente, seja de atendimento de necessidades evidenciadas pela jornada estressante – a exemplo das síndromes do pânico e de Burnout, cada vez mais comuns entre profissionais educadores. E, ainda, que a rede básica de ensino – malgrado em grande monta responsabilidade de municípios e estados –, receba por parte do governo federal os aportes necessários ao bom funcionamento do sistema.72

No caso particular dos projetos escolares e seus entornos conceituais, ainda nos rescaldos da pandemia e sob vigência do já aludido “instante de passagem”, entrou em funcionamento o chamado novo ensino médio, sendo 2024 o limite para o seu pleno exercício. Afora os problemas que acompanharam a implantação do modelo, a exemplo de certa pressa no cumprimento de prazos mais políticos do que pedagógicos, conforme apontado por Citelli (2018), pouca participação docente/discente e minimização das deficiências existentes no ensino brasileiro, encontramos um rol de mudanças que só ampliam a situação já suficientemente desconfortável enfrentada pelo nosso magistério frente às inúmeras intercorrências provocadas pela Covid-19. Em uma palavra: parece que, ainda sem ter resolvido os rescaldos dos atrasos escolares resultantes da pandemia (defasagens nos conteúdos disciplinares, retardo em itens como alfabetização e matemática, evasão, etc.), o/a docente deverá levar adiante a nova estrutura do ensino médio, cuja clareza de implementação provoca dúvidas nos/as próprios/as gestores/as da educação. Observe-se que nos primeiros meses de 2023, inúmeras matérias foram publicadas na imprensa dando conta das dificuldades para viabilizar os itinerários formativos – um dos elementos centrais do novo modelo – resultado da carência de recursos físicos e humanos, sobretudo na rede pública: insuficiência de salas de aula, falta de professores/as especializados/as nas disciplinas escolhidas para serem seguidas pelos/as discentes, aumento na carga horária dos/as docentes, etc.

Em um termo, quando falamos do tratamento conceitual, físico e humano afeito aos fazeres educadores, abrangemos desde definições concernentes aos significados da escolaridade no mundo contemporâneo, passando pelo avanço na infraestrutura das unidades até o tipo de relação com o corpo profissional docente.

– A abordagem referente aos dispositivos tecnocomunicacionais. Direta ou indiretamente tais dispositivos fazem parte do que chamamos noutro momento de ecossistema educacional. A assertiva diz respeito ao fato de que as escolas – possuindo maior ou menor quantidade (e qualidade) de recursos técnicos –, discentes, docentes, equipes gestoras, se encontrarem circundados/as pelos componentes midiáticos, particularmente os de natureza digital. Esta realidade tornou viável manter, a despeito do período de fechamento das salas de aula, um conjunto de procedimentos didático-pedagógicas – com todos os problemas conhecidos e vários deles tratados neste relatório – durante a crise sanitária. Os professores e professoras foram convocados para acionar a modalidade de ensino remota (ou híbrida) emergencial, utilizando, para tanto, computador, smartphone, tablet, etc. Aqui não é o caso de entrar nas minudências expostas acerca deste item pelo nosso corpus de pesquisa e tratados nos temas e seções, mas acentuar o fato segundo o qual, com ou sem pandemia, as escolas estão imersas numa sociedade organizada em torno da tecnosfera, entendido o conceito na extensão do seu formulador, Milton SANTOS (2006), da plataformização (COULDRY and MEJIAS, 2021), da dadosfera (BEIGUELMAN, 2021).

Os termos/conceitos acima – de outros tantos situados no mesmo campo semântico – servem para ilustrar o contexto tecnocomunicacional que abriga as variadas instituições, dentre elas as unidades educativas. Leve-se em conta, porém, que os/as docentes, quando frente aos acionamentos remotos e híbridos reclamam de: a) melhor formação para trabalhar com os dispositivos digitais; b) escolas e salas de aulas dotadas de recursos tecnológicos que contribuam para o processo educativo geral dos discentes; c) implementação de projetos no âmbito comunicativo-educativo voltados à apreensão do funcionamento seja dos dispositivos, seja das linguagens por eles acionadas.

A tendência dos nossos entrevistados e entrevistadas é compreender o universo de mudanças que a comunicação e suas tecnologias estão promovendo nas estruturas sociais e educacionais, de certa forma esclarecidas pela emergência pandêmica. Essa requisitou que fossem postas em funcionamento novas experiências de aula, assim como reconfiguradas as maneiras de se estabelecer contatos com os/as discentes. É imperioso aduzir, contudo, que o fato de reconhecer a existência de fluxos entre as escolas e os aparatos tecnológicos não levou os professores e professoras a considerarem estar diante de uma panaceia redentora das nossas mazelas educacionais, motivo pelo qual, 75, 8% da amostra haver asseverado que um dos problemas gerados pelo ensino remoto emergencial foi a incerteza quanto ao real aprendizado dos/das discentes.

Como exposto ao longo desta nota final, as indagações trazidas aos ambientes escolares pela pandemia, assim como a adoção de formatos de aulas apoiadas nas tecnologias da comunicação e da informação (sob estratégias remotas ou não), permanecem como instigações que precisam ser estudadas e compreendidas na sua extensão e desdobramentos futuros junto ao ensino básico brasileiro.

Notas

71-

A despeito de o Ministério da Educação haver criado o  Comitê Operativo de Emergência (COE), reunido pela primeira vez em 16/03/2020, formado por um grupo de instituições, a exemplo do Conselho Nacional de Secretários da Educação (CONSED), União Nacional dos Dirigentes de Educação (UNDIME), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino (ANDIFES) – organismos que, em última análise, geriram a crise no setor –, os titulares da pasta, pelo que diziam e faziam, reforçavam, negativamente, a abordagem sistêmica do problema concernente à Covid-19 junto às escolas brasileiras. E aqui não se trata de dizer, de maneira liminar, que o ensino básico em nosso país é, no seu elemento dominante, responsabilidade de estados e municípios. Tal argumento, pela magnitude do desastre que vivíamos, não apenas encobre a péssima rima como revela a inconsistência de um poema mal escrito.
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72-

Lembremos do financiamento (para alguns subfinanciamento) da educação no Brasil. É um pouco difícil fixar os dispêndios nesta área, haja vista que nem sempre os chamados mínimos constitucionais ficam muito claros quanto ao destino do que é investido. De todo modo, e para se ter uma ideia aproximada, a União deveria aplicar 6% do PIB nesta área. Item importante, concernente aos repasses em educação por parte do governo central, advém do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), criado em 2007. O montante era constituído por 90% de impostos coletados em estados e municípios e 10% do governo federal – grife-se de onde provinham os maiores percentuais. Após mobilizações da sociedade civil foi promulgada a emenda constitucional, 108/2020 que aumenta a cota federal de 10% para 23%, acompanhando a seguinte escala: 2021, 12%; 2022, 15%; 2023, 17%; 2024, 19%; 2025, 21%; 2026, 23%.
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Referências:

CITELLI, Adilson. Reforma do ensino médio: déficit de comunicação e intercorrências políticas. Revista Comunicação & Educação, São Paulo, ano XXIII, n. 2, jul./dez. 2018. Disponível aqui. Acesso: 5 mar. 2023.
COULDRY, Nick; MEHIAS, Ulises A. Partnership on AI. Data Colonialism and Everyday Data Extraction – Nick Couldry & Ulises A. Mejias. Publicado em: 5 de out. de 2021. Disponível aqui. Acesso: 5 mar. 2023.
BEIGUELMAN, Giselle. Políticas da imagem e resistência na dadosfera. São Paulo: Ubu, 2021
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006.

DELIMITAÇÕES VOCABULARES

Durante o período da pandemia foram acionados vários mecanismos para dar continuidade aos processos educativos formais, de sorte que se elaboraram ou se desdobraram experiências de ensino pouco comuns ao cotidiano das escolas – a exemplo do ensino remoto emergencial. E, neste andamento, foram utilizados inúmeros termos e expressões visando a esclarecer práticas, muitas delas inusuais, outras ajustadas segundo demandas impostas pelos fluxos e refluxos do coronavírus. É possível falar na elaboração de um aparato de linguagem para atender aos desígnios do momento apoiado em palavras e formulações que iam sendo atualizadas, neologizadas, ressignificadas, ampliadas em seu uso. Daí havermos selecionado certo conjunto retórico presente no relatório, visando a esclarecer suas utilizações e ampliações semânticas, assim como reconhecer os vínculos estreitos que existem entre a dinamicidade dos eventos cotidianos (aqui, marcados pela presença do coronavírus) e dos andamentos da linguagem.

Design thinking.  O termo surgiu na Escola Bauhaus de design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda fundada na Alemanha em 1919 e fechada em 1933 pelos nazistas. A responsável pela popularização do termo nas diferentes áreas de conhecimento foi a empresa americana de Palo Alto, na Califórnia, IDEO, quando lançou, em 2012, o material Design Thinking for Educators.73  Atualmente, o conceito, na educação, prioriza uma forma de refletir sobre os desafios com enfoque na capacidade de criação, investigação, experimentação e interação, ou seja, busca de soluções coletivas para os problemas.  Estabelece assim estreita relação com preceitos de educadores, tais como Lev. Vygotsky, John Dewey, Paulo Freire, Anísio Teixeira, dentre outros (GONSALES, 2018).

Educação à distância. Envolve ensino – com metodologias específicas – e ocorre segundo lógica distinta da modalidade presencial. Pode ser ativada em diferentes procedimentos de ensino (ou educação), seja formal ou informal. Trata-se de modalidade em que professores/as e alunos/as estão, em larga medida, separados fisicamente e mesmo temporalmente, daí a necessária utilização dos mediadores técnicos e tecnológicos de comunicação. A interação entre educadores/as e educandos/as acontece por meio de múltiplos códigos e signos requisitando aparato especial que pode fazer uso de televisão, celular, computador, rádio, materiais impressos, etc., ou da junção de vários destes recursos. A EaD foi regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 9.394/96) e complementada pelo decreto nº 5.622, de 19/12/2005. Graças a tal corpo normativo, muitas universidades brasileiras passaram a ofertar, em EaD, cursos de graduação, pós-graduação, extensão, formação continuada, especialização, dentre outros. No período entre 2011 e 2021, o modelo cresceu 274,3% – no presencial o recuo foi de 8,3%. Tal expansão ocorrida, sobretudo, na rede particular de ensino, trouxe consigo uma série de desafios e problemas, cujos desdobramentos permanecem sob escrutínio dos estudiosos da temática educacional.

Ensino presencial. Realizado com a presença física de docentes e discentes na sala de aula. Durante a pandemia, essa modalidade foi suspensa em vários momentos, haja vista os imperativos do chamado afastamento social. Com as ondas do coronavírus, muitas escolas levaram a termo o chamado ensino presencial com restrições – expressão sob a qual abrigam-se desde limitações no número de discentes por sala de aula, passando por alternância de frequência nos dias da semana, até suspensão por tempo limitado das atividades na escola. O retorno pleno às aulas presenciais não aconteceu de maneira uniforme nos estados e municípios. Sobre as questões legais envolvendo o ensino presencial durante a pandemia e pós-pandemia, ver: Apresentação; nota de pé de página nº 2.

Ensino híbrido. Ocorre quando as modalidades presencial e on-line são integradas durante o processo de ensino-aprendizagem em disciplinas ou cursos. Isso significa que não é só acréscimo de tecnologia às salas de aula, bastando ao/à discente ter o seu próprio notebook, tablet ou chromebook individual. O/a estudante necessita recorrer às duas modalidades, que se complementam, para a produção da tarefa que ele/ela precisa efetivar. Por exemplo, na sala de aula física, sob supervisão do professor/a, o/a discente é orientado/a à execução de certas atividades. Para realizá-las, parte da tarefa deverá ser feita, necessariamente, on-line, mas o/a estudante pode decidir o ritmo de trabalho, o horário, o melhor dispositivo técnico e hora para a concretização da produção final. Há diferentes modelos que abrangem tempos na aula presencial ‒ simultaneamente on-line ou não ‒ e à distância. (HORN; STAKER, 2015; MORAN, 2015).

É importante ressaltar que, durante a pandemia de Covid-19, a maneira de processar as aulas síncronas remotas e presenciais foi denominado, também, de ensino híbrido.

Principais modelos de ensino híbrido:  rotação, flex, à la carte e virtual enriquecido (HORN; STAKER, 2015). 1) Rotação – alternância de modalidades de aprendizagem e uma delas precisa ser on-line. Subdivide-se em quatro variáveis: Rotação por estações – cria-se um circuito dentro da sala de aula ou na escola, em que cada estação – uma mesa, um espaço escolar aberto ou fechado, um canto da unidade – propõe uma atividade diferente sobre o mesmo tema, aquele que norteia o projeto central. Os/as alunos/as, divididos em grupos, perpassam por esses locais seguindo os roteiros preparados pelo/a professor/a, realizando as atividades propostas. A sequência pode ser linear ou aleatória e em pelo menos uma das estações precisa incluir uma tecnologia. Ao longo do percurso, o roteiro fixo, determinado pelo/a professor/a, pode conter discussões em grupo, envolver atividades on-line, exercícios escritos e leituras com ou sem a presença do/da mediador/a, dinâmicas e desafios. Rotação individual – cada aluno/a tem um roteiro individualizado com atividades que devem ser cumpridas de acordo com as necessidades do/a estudante e do objetivo educacional pretendido pelo/a professor/a. Laboratório Rotacional – é similar à rotação por estações, mas parte das atividades, cerca de 25%, necessariamente, ocorrem no laboratório de informática da escola, com objetivos previamente determinados pelo/a professor/a da disciplina. No laboratório, os/as alunos/as são acompanhados/as por um/a profissional não obrigatoriamente licenciado/a, ou seja, pode ser um/a estagiário/a, também denominado/a de tutor/a ou monitor/a. A ideia é que esse/essa auxiliar trabalhe com os/as estudantes habilidades mais básicas, e o/a professor/a tenha tempo para planejar as mais complexas.  Sala de aula invertida – é uma modalidade que intenta estimular a autonomia dos/as alunos/as ao inverter a metodologia tradicional de aula expositiva. As tarefas e trabalhos são feitos no espaço físico da classe. Dessa maneira, os conteúdos/temas – determinados pelo/a professor/a – precisam ser estudados nos ambientes virtuais, em casa, antes da aula presencial. Durante o encontro na classe física, o/a  docente fará a mediação e poderá propor discussões entre os grupos, aprofundamento dos temas, desafios e projetos, escrita coletiva etc. Lemos e Perl (2015) exemplificam bem essa prática na Educação Superior. 2) Ensino Flex – foi um designativo adotado por parte das escolas e das universidades (sobretudo, particulares) durante o período de transição entre o ensino remoto emergencial e o presencial com restrições. No modelo em tela os/as estudantes poderiam, a partir de suas preferências e por suas razões, optar entre assistir às aulas em casa ou na unidade educativa. O Ensino Flex também é chamado de Ensino 2 em 1 e  se aplica ao fato de uma parte dos/das alunos/as assistir às aulas presencialmente e outra de modo remoto. O modelo exigia tanto de docentes quanto de discentes um novo hábito: dos/as primeiros/as, a capacidade de circular tão somente num ponto pré-determinado da sala de aula, a partir do qual fosse visto seja pelos/pelas alunos/as presenciais como pelos/pelas à distância; dos/as segundos/as, a compreensão sobre as novas temporalidades e espacialidades do/da professor/a – que precisa conciliar dois formatos de ensino no instante em que ministra a aula. Em síntese, esse formato enfatiza estudos on-line, tem uma abordagem mais personalizada e tende a mesclar os/as alunos/as de diferentes séries na execução, por exemplo, de um projeto. 3) Ensino a la carte – representa uma abordagem personalizada em que o/a discente cursa uma disciplina on-line enquanto frequenta o ensino presencial tradicional. Ele/ela é responsável por organizar seus horários e pode frequentar a disciplina on-line em casa ou na escola, sempre sob a supervisão docente. 4) Virtual enriquecido – como os modelos flex e à la carte, é considerado disruptivo. Ele exige organização escolar não comum no Brasil, pois a aprendizagem de todas as disciplinas ocorre em dois momentos distintos: on-line e presencial. Além disso, o/a aluno/a não necessita estar na escola presencialmente todos os dias (BACICH; TANZI NETO; TREVISANI, 2015).

Ensino remoto. O ensino remoto não deve ser confundido com o Ensino à Distância (EaD), malgrado ambos possam utilizar os mediadores técnicos e ocorram sob a forma não presencial. As diferenças são tanto operacionais quanto legais. O EaD, conforme já referido, possui regras, finalidades, normas, duração que lhes são próprias: daí, quando autorizadas, as instituições que atuam neste segmento de ensino (ou, eventualmente, educação) podem oferecer cursos de graduação e até pós-graduação. Ou seja, é uma instância com arranjo sistêmico em seus cursos, programas, mecanismos de titulação e diplomação de alunos/as. Aqui não cabe avaliar tais formatos, tampouco entrar em detalhes sobre miríades de possibilidades de se promover EaD. O ensino remoto, conforme praticado durante a pandemia, teve caráter de excepcionalidade, sendo aprovado pela portaria do MEC (nº 544/2020), que permitiu a substituição de aulas/disciplinas presenciais por recursos digitais e de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Trata-se, portanto, de algo genérico aplicável, em tese, a diferentes níveis de ensino, em unidades disciplinares ou de componentes curriculares, segundo necessidades e circunstâncias geradas pela difusão do coronavírus nas várias regiões do Brasil. Em síntese: o ensino remoto respondeu a uma premência, sendo ativado através de smartphones, computadores, tablets, materiais impressos, etc., mecanismos que tornaram possível dar sequência – com as dificuldades, senões e intercorrências – às atividades escolares sob as armadilhas do Sars-Cov-19.

Ensino remoto emergencial. A Medida Provisória 934, de abril de 2020, com base na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, permitiu a flexibilização dos componentes curriculares e as tomadas de decisões para dar prosseguimento ao ensino, nos seus muitos níveis. As estratégias emergenciais de ensino/aulas remotas, legalizadas pela Portaria nº 343/2020, em instituições de ensino superior, são uma espécie de rearranjo de técnicas, recursos e formação do ensino presencial, que também foram adotadas em grande parte das escolas de nível fundamental e médio, nos sistemas públicos e privados. O parecer CNE/05/2020 (BRASIL, 2020a) indicou a necessidade de se adotar medidas preventivas quanto à reorganização das atividades educacionais diante da pandemia. E, seguindo essa diretiva, os Conselhos Estaduais e Municipais de Educação passaram a orientar a continuidade das aulas não presenciais. O termo “emergencial”, que usamos prioritariamente em nosso relatório, quando vinculado à modalidade remota durante a pandemia, esclarece, em boa medida, a mudança brusca que ocorreu para minimizar os impactos provenientes do isolamento social nas redes escolares. É possível associar o qualificativo “emergencial” a duas acepções: uma vinculada a algo de passagem, a ser acionado em caráter momentâneo, com curto prazo de duração; outra que conota a “irrupção do inesperado” e para a qual o sistema de educação formal não estava devidamente preparado. De toda sorte, o “emergencial” constitui-se em recurso possível, ancorado nos dispositivos técnicos, segundo as condições que se apresentavam naquele período entre, aproximadamente, 2020 e 2021, visando a reduzir os impactos negativos nas escolas como decorrência do isolamento social. (HODGES et al, 2020).

Fechamento das escolas. O espalhamento do coronavírus, sobretudo no período focado neste relatório, trouxe consigo, entre tantas consequências negativas, uma difícil situação para a rede de ensino brasileira, em seus diferentes níveis e formas de organização. Para além das questões legais (conforme enunciadas em nossa Apresentação), as escolas atravessaram um momento de quase anomia, ajustando, posteriormente, dinâmicas que incluíram a total ou parcial paralisação das aulas presenciais. As alternativas convergentes ao chamado ensino remoto emergencial vieram para tentar suprir o conturbado da situação imposta à educação formal brasileiro naquela quadra histórica. O desalinhamento entre prefeituras, estados e a federação –  ademais, ente copatrocinador do caos, sob a égide do Ministério da Educação (entre 2020 e 2022 foram dois titulares da pasta, respectivamente: Abraham B.V. Weintraub e Milton Ribeiro), que substituiu a necessidade de agressiva política pública para enfrentar os danos impostos pela Covid-19 junto às salas de aula, por uma verborragia ideológica e negacionista no tratamento da pandemia – apenas acentuou, ao longo de quase dois anos, indefinições acerca do que fazer junto ao sistema de ensino. Desta sorte, abrir ou fechar escolas passou a depender de iniciativas locais, regionais, estaduais que estiveram longe de uma centralização e orientação derivada do governo federal.

Metodologias ativas. Estratégias de ensino focadas no protagonismo do/a estudante e em sua participação no processo de aprendizagem, a partir de situações concretas que promovam envolvimento e motivação, priorizando-se o método indutivo, a aprendizagem colaborativa e a centralidade discente, que assume a corresponsabilidade pelo aprendizado (MORAN, 2019). Um dos objetivos das metodologias ativas é tornar a aprendizagem mais profunda e efetiva para o/a estudante, valendo-se, para isso, de experiências práticas, estímulo multissensorial e reconhecimento dos prévios saberes discentes (MORAN, 2018). São exemplos dessas metodologias as aprendizagens baseadas em problemas, projetos ou jogos, sala de aula invertida, instrução entre pares e design thinking (MATTAR, 2017).

Notas

73-

OA Educa Digital, organização da sociedade civil sem fins lucrativos, desenvolveu um conteúdo sobre o tema, O Design Thinking para Educadores. Disponível aqui. Acesso: 3 fev. 2023.
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Referências:

BACICH, Lilian;  TANZI NETO, Adolfo; TREVISANI, Fernando de Mello.(org.) Ensino Híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação. Porto Alegre: Penso, 2015. p.43-59. Edição do Kindle.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP n. 5. Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19. Brasília, DF: MEC, 28 abr. 2020a. Disponível aqui.
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria n. 343 de 17 de março de 2020. Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus – COVID-19. Brasília, DF: Brasília, 2020b. Disponível aqui.  Acesso: 30. jan. 2023.
BRASIL. Medida Provisória n. 934, de 1º de abril de 2020. Estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Brasília, DF: Presidência da República, 2020c.  Disponível aqui. Acesso:  30.jan.2023.
HODGES, Charles; MOORE, Stephanie; LOCKEE, Barb; TRUST, Torrey; BOND, Aaron. As diferenças entre o aprendizado online e o ensino remoto de emergência. Revista da Escola, Professor, Educação e Tecnologia, v. 2, 2020. Disponível aqui. Acesso: 30 jan. 2023.
HORN, Michael; STAKER, Heather.  Blended: usando a inovação disruptiva para aprimorar a educação. Porto Alegre: Penso, 2015. Edição do Kindle.
GONSALES, Priscila. Design Thinking e a ritualização de boas práticas educativas. São Paulo: Instituto Educadigital, 2018.
LEMOS, André; Perl, Lara. (2015). Comunicação e Tecnologia Uma experiência de “Classe Invertida”. Comunicação & Educação, 20(1), 127-139. Disponível  aqui. Acesso: 3 fev. 2023.
MATTAR, João. Metodologias ativas para a educação presencial, blended e à distância. São Paulo: Artesanato Educacional, 2017.
MATTAR, João. Metodologias ativas de bolso: como os alunos podem aprender de forma ativa, simplificada e profunda. São Paulo: Editora do Brasil, 2019.
MORAN, José. Metodologias ativas para uma aprendizagem mais profunda. In: BACICH, Lilian.; MORAN, José. (orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018. p. 37-76.
MORAN, José. Educação híbrida: um conceito-chave para a educação, hoje. In: BACICH, Lilian;  TANZI NETO, Adolfo; TREVISANI, Fernando de Mello (org.) Ensino Híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação. Porto Alegre: Penso, 2015. p.23-43. Edição do Kindle.

ANEXO

Modelo de questionário

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AUTORES E AUTORAS

Adilson Citelli

citelli@uol.com.br

É professor Titular Sênior junto ao Departamento de Comunicações e Artes, da ECA-USP. Faz parte do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Comunicação da ECA-USP, onde ministra cursos e orienta dissertações e teses nas áreas de comunicação/educação, educomunicação, comunicação/linguagem. Foi chefe do Departamento de Comunicações e Artes-ECA-USP, coordenador do PPGCOM-USP, membro do comitê de avaliação da CAPES e do comitê assessor de Comunicação do CNPq. Coordena o Grupo de Pesquisa Mediações Educomunicativas (MECOM), da ECA-USP-CNPq. Pesquisador 1B do CNPq. É autor de inúmeros artigos e livros, dentre estes: “Linguagem e persuasão”; “Comunicação e educação: a linguagem em movimento”; “Palavras, meios de comunicação e educação”; “Educomunicação. Construindo uma nova área de conhecimento” (org. com Cristina Costa); “Imagens do professor na mídia (org.)”; “Comunicação e Educação: o problema da aceleração social do tempo (org.)”; “Comunicação e Educação: dinâmicas midiáticas e cenários escolares (org.)”.

Ana Luisa Zaniboni Gomes

analuisa@obore.com

Jornalista profissional diplomada em Comunicação Social /Jornalismo pela PUCSP.  Possui Mestrado, Doutorado e Pós Doutorado em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Diretora de Gestão da OBORÉ Projetos Especiais com atividades focadas na área da Comunicação em diálogo com políticas públicas como Educação, Cultura, Saúde e Direitos Humanos. Coordenou o Grupo de Pesquisa "Comunicação e Educação", da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), entre  2018-2020.

Douglas Calixto

dodocalixto77@gmail.com

Jornalista formado pela UNESP, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. O trabalho "Memes na internet: entrelaçamentos entre Educomunicação, cibercultura e a zoeira de estudantes nas redes sociais" rendeu-lhe a indicação como melhor mestrado de Comunicação da USP em 2017 e o prêmio "Francisco Morel" de melhor mestrado do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação 2018 (Intercom). Desenvolve pesquisa nas áreas de Comunicação, Educação e cibercultura. É também um dos autores do livro "Comunicação e Educação: aceleração social do tempo", organizado pelo prof. Adilson Citelli (USP). Atualmente é Gerente e 'Communications Advisor' da Porticus, fundação internacional que atua com os campos de educação e direitos humanos.

Edilane Carvalho Teles

ecteles@uneb.br

Professora da graduação e pós-graduação da Universidade do Estado da Bahia, UNEB/Campus III, Juazeiro/BA. Pedagoga (DEDC I/UNEB); Especialização em Metodologia, ensino e extensão em Educação (DEDC I/UNEB, 2001), Especialização em Educação e Novas Tecnologia da Comunicação e Informação (DEDC I/UNEB, 2002); Mestrado em Educação e Contemporaneidade (DEDC I/UNEB, 2010); Master em Tecnologias e Comunicação Multimídia (Universidade de Turim/Itália, 2004). Doutora em Comunicação – Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM/ECA/USP). Coordenadora e pesquisadora do Observatório de Educação Midiática e Tecnológica na formação docente (FAPESB/DCH III/UNEB); Líder do Grupo de pesquisa Polifonia – Observatório de Educação e Comunicação (DCHIII/UNEB).

Eliana Nagamini

eliananagamini@gmail.com

Pós-doutora em Ciências da Comunicação (ECA/USP), na interface Comunicação e Educação; Doutora em Ciências da Comunicação (ECA/USP); Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada (FFLCH/USP); Especialista em Educação em Ambientes Virtuais de Aprendizagem (UNICSUL); Bacharel em Letras (FFLCH/USP); Licenciada em Língua Portuguesa e Literaturas (FE/USP). Atua nas áreas de Educação, Comunicação e Letras, desenvolvendo pesquisas com enfoque nas linguagens verbais e não verbais. Docente de Língua Portuguesa e de Comunicação Empresarial na Fatec São Paulo, do Centro Paula Souza.

Gláucia Silva Bierwagen

galsilv@gmail.com

Doutora em Comunicação (ECA/USP); Mestre na área de Ensino de Ciências e Matemática (FE/USP). Especialista em Design Instrucional para Educação a Distância (UNIFEI) e Mídias na Educação (UFSJ); bacharel em Tecnologia em Informática (UNESP) e licenciada em Pedagogia (FE-USP). Atua como pesquisadora nas áreas de Educação, Comunicação e Tecnologia. Tem experiência como professora de Educação Básica (Infantil, Fundamental, EJA, Educação Digital) e em projetos na Educação a distância (tutoria e produção de conteúdos/cursos).

Helena Corazza

helen.corazza@gmail.com

Possui graduação em Comunicação Social pela Faculdade de Comunicação e Turismo Hélio Alonso (1990), licenciatura em Letras pela Universidade Paulistana (1978), mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes-USP. Coordenadora do Curso de Especialização Comunicação, Teologia e Cultura: teórico-prático do SEPAC (Serviço à Pastoral da Comunicação) em convênio com o ITESP (Instituto São Paulo de Estudos Superiores), onde é docente. Pesquisadora na área de Comunicação e Educação, Rádio e Relações de Gênero, Mídias Sociais, atuando na docência e na formação de lideranças comunitárias, na área da Pastoral da comunicação, comunicação nas pastorais e Educomunicação.

Karen Pavani Goulart

karenpgoulart@gmail.com

Mestranda em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), tem especialização em Comunicação e Design Digital pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e é graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Faculdade Cásper Líbero. Tem experiência acadêmica na investigação dos temas precarização do trabalho do jornalista e reestruturação produtiva. Atua profissionalmente como supervisora de comunicação em uma organização do setor de Infraestrutura.

Maria do Carmo Souza de Almeida

maria.almeida@unitau.br

Doutora em Ciências da Comunicação, Área de concentração: Interfaces Sociais da Comunicação, pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Mestra em Linguística Aplicada, Especialista em Língua Portuguesa e Licenciada em Letras pela Universidade de Taubaté (UNITAU). Atua na Graduação e no Mestrado em Linguística Aplicada da UNITAU. Pesquisa os seguintes temas: educação, comunicação, educomunicação, formação do professor, ensino de leitura e produção escrita (letramentos e multiletramentos).

Michel Carvalho da Silva

midiacidada@gmail.com

Doutor em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Comunicação Pública e Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. É chefe dos serviços de Comunicação Social da Câmara Municipal de Cubatão (SP). Atua como conselheiro da Associação Paulista de Escolas do Legislativo e Contas (APEL). Associado da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e membro da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública).

Roberta Takahashi Soledade

roberta.tsoledade@gmail.com

Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).  Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo, MBA em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, especialização em Educação a Distância pelo Centro Universitário SENAC e cursa o MBA em comunicação e marketing (ECA/USP). Atualmente é responsável pela área de educação corporativa em uma multinacional do ramo farmacêutico.

Rogério Pelizzari de Andrade

rpelizzari@alumni.usp.br

Doutor e mestre em Ciência da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Especialista em Gestão de Processos Comunicacionais pela ECA/USP e graduado em jornalismo e em publicidade e propaganda pela Universidade São Judas Tadeu (USJT). Atualmente é coordenador de contas de governo na área de comunicação digital pela agência Fator F – Inteligência em Comunicação, consultor da Fundação Vanzolini em projetos na área de Comunicação e Educação, formador pelo Núcleo de Educomunicação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e vice-coordenador do GP de Comunicação e Educação da Intercom (gestão 2022-2024).

Suéller Costa

sueller.costa@gmail.com

Mestra em Ciências da Comunicação, pelo PPGCOM/ECA/USP. Bacharel em Jornalismo e licenciada em Letras (Português e Inglês) e Pedagogia. Especialista em Estudos da Linguagem (UMC); Educomunicação – Educação, Comunicação e Mídias (ECA/USP); Tecnologias na Aprendizagem (Senac-SP); Projetos Sociais e Políticas Públicas (Senac-SP). No Jornalismo, atua com produção de conteúdos sobre o segmento educacional para veículos regionais. Na Educação, como educadora concursada na Educação Básica; professora convidada no Instituto Federal do Sul de Minas (IFSULDEMINAS). Formadora no Núcleo de Educomunicação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Idealizadora do Educom Alto Tietê.

Tatiana Luz-Carvalho

luzcarvalho.tatiana@alumni.usp.br

Mestra em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), é Licenciada em Educomunicação também pela ECA-USP e jornalista, formada pela Faculdade Cásper Líbero. Atua como professora de Educação Midiática e Digital em colégios particulares de São Paulo. É integrante da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEDUCOM).

Wellington Nardes

nardes@alumni.usp.br

É doutorando (2021-2025), com apoio da Capes, em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e, atualmente, intercambista de Doutorado Sanduíche pela Universidade de Guadalajara, México. É mestre (2017-2019), com apoio do CNPq, pelo mesmo Programa e Universidade. É graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo (2008-2011) pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). É professor visitante da Pós-Graduação Lato Sensu em Metodologias Ativas e Educação 4.0, da Associação Catarinense de Ensino (ACE). É professor em cursos superiores.